“Mais do que um resultado que se espera magnífico, é uma relação específica com as pessoas.”
Como nasceu a Casa da Imagem?
Inês Azevedo: A Casa da Imagem é um projeto da Fundação Manuel Leão. Enquanto projeto nasceu em 2011. A Fundação Manuel Leão tem como áreas de intervenção as atividades e ações nos domínios da educação, da arte e sociocaritativo; e, tinha já a intenção de dinamizar um projeto ligado à arte e à educação. Foi a partir desse desejo da Fundação, que em 2011 começamos a pensar este espaço: inicialmente havia um espaço físico, um arquivo fotográfico do fotógrafo Teófilo Rego, uma série de equipamento e de material de estúdio e uma coleção de câmeras e dispositivos óticos feita também por Teófilo Rego. Esta área de intervenção da Fundação e estas heranças patrimoniais deram início ao projeto da Casa da Imagem.
Escolhemos o nome ‘Casa da Imagem’ por acharmos que já havia dentro do Porto bastantes projetos dedicados só à fotografia, e fazia mais sentido termos uma valência maior e mais integrada que o contexto de imagem permitia.
Quais são as principais valências da Casa da Imagem?
Joana Mateus: As valências da Casa da Imagem articulam-se a partir do serviço educativo, com vários campos de atuação. Por um lado, temos o arquivo fotográfico do Teófilo Rego, que é um arquivo que contém não só imagens de cerca de 50 anos de trabalho deste fotógrafo, mas também uma coleção de câmeras e dispositivos óticos, que serão a base para o futuro Museu da Casa das Imagens. Para além desse arquivo, a Casa da Imagem também desenvolve projetos de investigação em parceria com outras entidades, com universidades, centros de investigação, escolas, sendo os projetos escolares uma constante na Casa da Imagem. Fazemos também formação de professores, em vários centros de formação, e compreendemos que para os professores é uma condição essencial que as formações sejam creditadas para poderem contar para a sua carreira. Temos outras oficinas mais indiferenciadas que vão acontecendo aqui pela Casa, para um público mais alargado. E depois temos a galeria onde vão acontecendo exposições temporárias, abertas à comunidade.
A Galeria permite estabelecer relações com artistas e com outras estruturas institucionais, como as universidades e os seus estudantes que estão a acabar os seus cursos, dando-lhes a oportunidade de exporem aqui na Casa e de iniciarem esse lado mais profissional da carreira artística.
Recentemente, temos percebido que através dos projetos Europeus conseguimos ter um alcance muito maior das nossas propostas, além de que elas são enriquecidas pelas diferenças trazidas pelos parceiros, porque no âmbito local havia propostas que não chegavam a ser concretizadas ao nível que gostaríamos – não tinham a abrangência que era necessária em termos de reflexão intercultural, reflexão sobre outros métodos -, permitindo por um lado concretizá-los com uma dimensão e uma escala maior e, por outro lado, completá-los e construí-los de outra forma numa lógica de parceria.
Na Casa da Imagem existem residências, que não são só residências artísticas. Há duas residências de artistas que têm aqui o seu espaço permanente: o Atelier Guilhotina, que é um atelier de gravura e técnicas artesanais de impressão de imagem; e o Átomo 47, que é um laboratório de cinema independente e de fotografia. Temos também a residir o Laboratório de Arte, Tecnologia e Inovação Social que se chama LATIS e um outro espaço ligado aos Direitos Humanos e à Cidadania. Estas residências acabam também por, em certos momentos, propor linhas de orientação para os projetos da Casa da Imagem e têm os seus próprios projetos independentes que vão dinamizando. O Atelier Guilhotina é promovido pela Ana Torrie, o Laboratório de Cinema Independente, Átomo 47, são do Ricardo Leite, o projeto LATIS é da Margarida Azevedo e o projeto de Direitos Humanos é da Alexandra Severino.
Qual a Vossa perceção sobre o contributo da Casa da Imagem para o ensino através das Artes?
Inês Azevedo: Quando propomos atividades, vamos tendo o retorno dos professores sobre a sua pertinência e ouvindo as reações dos alunos. Há projetos nos quais já instauramos uma avaliação mais imediata e sistematizada das propostas de educação artística que fazemos, como é o caso do #NarcisOnline. O contacto próximo com as pessoas com quem trabalhamos, professores e alunos, faz com que tenhamos acesso às sua opiniões sobre as nossas propostas, abrindo espaço a que as vamos adaptando consecutivamente. No fundo, não sabemos se aquilo que fazemos altera alguma coisa, mas temos sempre a preocupação de acrescentar quando pensamos nas atividades que fazemos. O melhor exemplo é o nosso projeto museológico; ao fim de 2 anos a trabalhar com propostas de serviço educativo, percebemos que fazia sentido termos um museu para oferecer uma perspetiva mais concreta e especializada daquilo que possa ser uma abordagem ao ensino artístico e um pensamento sobre a imagem a partir daquilo que eram as nossas heranças patrimoniais e do que vamos observando atualmente dentro das literacias visuais, da literacia digital, dos direitos humanos e das questões de cidadania. É um museu feito por um serviço educativo, por isso, a partir daí tudo aquilo que é exibido no museu é pensado em função do público que o vem visitar, principalmente do público escolar.
Percebemos que era fundamental para o nosso público – desde o pré-escolar até à idade adulta – tocar nas coisas que estavam a ver, fazer alguma espécie de prática sobre as coisas que estão a aprender. Por isso, o museu oferece a possibilidade de tudo aquilo que está exposto ser passível de ser manipulado e compreendido a partir de um gesto pessoal.
Uma das coisas que tentamos fazer com as práticas de educação artística é que, tudo aquilo que nós fazemos, seja passível de ser replicado por qualquer professor ou qualquer aluno, em circunstâncias em que não estejam connosco. Percebemos que muitas vezes os professores estão muito absorvidos pelo sistema escolar, muito presos a um conjunto de burocracias, o que não lhes permite ver com facilidade que há coisas simples que podem fazer com os alunos que alteram a capacidade destes se relacionarem com as coisas. Por isso, as nossas atividades têm muito este sentido, só trabalhamos com software livre, só trabalhamos com materiais acessíveis e tentamos fazer propostas simples.
Joana Mateus: A Casa da Imagem trata de uma educação não-formal e enquanto educação não-formal complementa o tipo de educação que é feito nas escolas, propõe outro tipo de relação com os conteúdos e outro tipo de relação com a prática e com o saber. Um saber mais prático, mas articulado com os conteúdos científicos, técnicos e tecnológicos.
Como funciona o serviço educativo da Casa da Imagem?
Joana Mateus: O serviço educativo da Casa da Imagem é o centro da Casa da Imagem. A perspetiva de todos os projetos e de tudo o que vai acontecendo na Casa da Imagem é uma perspetiva de um serviço educativo. As propostas pretendem sempre ser uma mediação que é feita entre o campo da arte, da cultura visual e o público, seja o público escolar ou o restante público. O serviço educativo tem que se desdobrar e de se adaptar aos públicos com quem trabalha, há objetivos diferentes, há vontades diferentes e há necessidades diferentes. O serviço educativo da Casa da Imagem é entendido, não só nessa perspetiva tradicional de um espaço de prática e de atividades, mas é mais que isso, é também um espaço de investigação, de reflexão, de pesquisa pelo mundo.
As escolas contactam-nos em função daquilo que precisam e querem desenvolver e daquilo que podemos oferecer em termos de atividades e que é a nossa identidade. A Casa também faz esse contacto com as escolas, por exemplo, quando temos um projeto que requer o trabalho com o público escolar.
Inês Azevedo: Temos no nosso website um conjunto de oficinas artísticas ou cursos que estão disponíveis para serem realizados em qualquer contexto. São oficinas pensadas para determinadas faixas etárias, já testadas no âmbito, por exemplo, do Encontro de Ilustração de São João da Madeira, ou com outras instituições, como escolas que nos pedem oficinas específicas para determinadas áreas e depois ficam disponíveis para o restante público. Para além disso, também nos podem contactar para produzirmos novas oficinas ou a Casa lança desafios, como os projetos escolares anuais que criámos, convidando as escolas e os professores a participar.
Neste momento, temos projetos anuais que se prolongaram, porque percebemos que faziam sentido, como por exemplo o #NarcisOnline, que é um projeto que fala sobre as imagens e os retratos das crianças e dos jovens nas redes sociais. Temos também o projeto do ‘Museu Ambulante’, porque compreendemos que nem todas as escolas e nem todas as crianças têm disponibilidade para vir à Casa da Imagem, e que foi criado exatamente para nos podermos deslocar para fora dos centros urbanos, para centros mais periféricos ou para zonas do interior do país em que levamos as nossas propostas, uma parte do nosso museu e as propostas de serviço educativo. As escolas que queiram podem contactar-nos para desenvolver um projeto ou uma proposta artística, que esteja relacionada com o seu projeto anual escolar, e aí fazemos à medida.
De que forma o Vosso serviço educativo se distingue de outros associados a espaços culturais?
Inês Azevedo: A primeira distinção é feita a partir daquilo que é a nossa especificidade; e que é o nosso campo de trabalho, feito a partir do arquivo fotográfico do Teófilo Rego, que nos permite ter uma abordagem a partir desse passado histórico, desses objetos que medeiam a relação com a produção das imagens e que também medeiam o nosso pensamento sobre o mundo atual.
Joana Mateus: Fundamentalmente, o que gostávamos que nos distinguisse é a capacidade de nos adaptarmos ao público, de não sermos uma estrutura rígida. Esta é uma caraterística nossa, não gostamos de estar paradas e de repetir sempre a mesma atividade.
As nossas atividades têm sempre que se ir alterando, o mundo não pára, os interesses vão mudando, as pessoas são diferentes e os contextos são muito diferentes uns dos outros, portanto gostamos de pensar que o nosso serviço é feito à medida, mais do que um resultado que se espera magnífico, é uma relação específica com as pessoas.
Inês Azevedo: O que nos permite ter esta relação diferente, é termos abertura institucional para pensar aquilo que fazermos. Não temos a pressão de cumprir um programa, temos a liberdade de escolher o programa que pretendemos cumprir. E como podemos fazer esta adaptação às nossas estruturas, também podemos refletir sobre o que fazemos e qual foi a reação do público, muitas vezes fazendo surgir novos projetos.
Quais os desafios que enfrentam no ensino através das Artes em contexto escolar?
Inês Azevedo: Um dos principais desafios é a falta de capacidade de adaptação das escolas a novas propostas de relação com o conhecimento. Os professores ficam limitados àquele que é o seu tempo letivo e chamam-nos para levarmos à escola esta abordagem mais livre. Ainda assim, temos que nos adaptar à escola, temos que trabalhar dentro do tempo letivo do professor. O maior desafio é esse, é entrarmos num contexto formal, em que as pessoas com quem trabalhamos já estão também muito presas a tudo o que têm que fazer.
Joana Mateus: Por outro lado, temos a grande vantagem de, vindo de fora do contexto escolar, termos o espaço de liberdade para fazer algo excecional.
O que podemos ver a acontecer na Casa da Imagem no futuro próximo?
Joana Mateus: No futuro próximo, esperamos ver crescer o projeto do museu. É um projeto que estamos a pensar e a construir há vários anos e que vai ter agora um novo input com a entrada de uma nova perspetiva que tem a ver com o passado da Casa enquanto gráfica. O nosso projeto para o Museu Casa das Imagens estava muito ligado ao espólio do Teófilo Rego. Recentemente, houve uma ligação com a família que era proprietária deste espaço e que tinha uma fábrica, a Gráfica Rocha, que esteve cá mais de 100 anos. O projeto do museu vai integrar também o passado da Gráfica Rocha e estamos muito entusiasmadas. Esperamos que, num futuro muito próximo, comecem a surgir as primeiras exposições e os primeiros sinais desta nova integração.
Vamos continuar com os projetos europeus Erasmus+ que coordenamos, o “#NarcissusMeetsPandora: young people ‘s portrait in social media” e o “PressHeres: a living archive on European Industry”, dando origem a outros e a outras ideias e perspetivas.
Inês Azevedo: A integração do passado industrial no projeto do Museu Casa das Imagens e este projeto europeu sobre indústria permite olhar permite olhar para o passado, ter consciência daquilo que foi a indústria na segunda metade do século XX em Portugal; permite pensar a atualidade, aquilo que é a indústria e o sistema laboral hoje, e todas as questões de género que lhe estão inerentes.
Teremos exposições na galeria, com a principal preocupação em criar um museu enquanto laboratório, de exposição e de relação com o nosso material de trabalho. O espaço da galeria para nós é um espaço importante, é um espaço mais aberto, disponível às propostas que nos possam chegar e que não necessitam de ser unicamente visuais.
Joana Mateus: Teremos ainda uma expansão para o campo mais virtual, a partir de ferramentas digitais e ligadas à indústria e a outros projetos. Este projeto ligado à indústria vai permitir-nos uma relação mais próxima com a região, porque se trata das indústrias do Norte de Portugal, e esperamos a partir daí estabelecer uma ligação com o passado desta região, com as pessoas e com a identidade desta zona.
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