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Educação para a Sexualidade

“Existe a necessidade de dar resposta a todas as fases da vida da pessoa, melhorando a vivência da sua sexualidade, a sua perceção e a consciência enquanto ser sexual.”

Paula Pinto é Membro da Comissão para a Educação Sexual da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. Licenciada em Psicologia Clínica pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, especializou-se em Sexologia Clínica e detém o título de Terapeuta Sexual conferido pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC).

A Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC) foi criada com o objetivo de “promover a divulgação de conhecimentos científicos no campo da sexologia e o agrupamento dos técnicos que se ocupem dos problemas da sexologia clínica”. De que forma este objetivo tem evoluído ao longo dos últimos 35 anos?

Inicialmente, tendo por base aquilo que são todos os conceitos relacionados com a sexualidade humana, o objetivo da SPSC foi direcionado para a sexologia clínica, dando espaço a que esta surgisse como resposta às várias necessidades, nomeadamente ao nível das dificuldades e das disfunções sexuais. Progressivamente, a Sociedade começou por criar cursos de especialização para Terapeuta Sexual que, atualmente, passa por três níveis, em que o primeiro nível se centra na sexologia educacional e é alargado a profissionais de várias áreas, desde professores, a profissionais das ciências sociais, assistentes sociais, médicos, enfermeiros e psicólogos. O curso não fica fechado a uma vertente unicamente clínica e tem refletido a evolução e a importância de se trabalhar com os vários profissionais no terreno.

Do ponto de vista da educação sexual, a Sociedade tem, atualmente, respostas diretas perante uma solicitação de uma escola ou de uma instituição, tem parcerias diversas, dá apoio do ponto de vista técnico, estabelece parcerias específicas de formação com várias instituições que trabalham nesta área e que possam ter um papel no terreno. A Sociedade é uma referência na área da sexologia, quer em Portugal, quer a nível internacional, e, ao longo dos anos, vem cimentando a sua credibilidade do ponto de vista da investigação e como uma referência técnico-científica.

Em que contexto surge o Vosso trabalho no âmbito da educação para a sexualidade?

Tem surgido cada vez mais a necessidade de dar resposta a este primeiro nível, que é a referência da Sociedade enquanto promotora de formação científica nesta área; e o facto de atribuir o grau de Terapeuta, leva a que a Sociedade esteja envolvida em tudo aquilo que são projetos e iniciativas no âmbito da educação sexual.

À medida que se vai apostando cada vez mais na educação sexual para todos e todas, existe a necessidade de dar resposta a todas as fases da vida da pessoa, melhorando a vivência da sua sexualidade, a sua perceção e a consciência enquanto ser sexual.

Também o facto de existir uma participação cívica cada vez mais ativa, com algumas tomadas de posição públicas – a criação do Dia Mundial da Saúde Sexual e, atualmente, uma grande conquista, o estabelecimento do Dia Nacional da Saúde Sexual, com a organização de eventos e a diversificação da formação a técnicos de várias áreas -, dá maior visibilidade à educação para a sexualidade.

Como é que este trabalho de educação para a sexualidade é operacionalizado com as escolas?

Por regra, são pedidos que chegam especificamente de uma escola para fazer uma ação de sensibilização com uma turma, onde o docente está a desenvolver uma atividade no âmbito da educação sexual. Por exemplo, há 2 ou 3 meses, e a propósito do contexto de pandemia, organizámos uma sessão online, mas o nosso objetivo é entrar no contexto de sala de aula, com a turma e com o professor que está a fazer essa ação de sensibilização e que sente que necessita de um suporte técnico. No entanto, as ferramentas de comunicação online são um aspeto muito positivo para abrir a possibilidade de chegarmos mais longe e de uma forma facilitada.

De acordo com a temática que nos é pedida, fazemos uma abordagem face às questões da educação sexual, que pode passar por temas mais concretos, como métodos contracetivos ou infeções sexualmente transmissíveis, mas também por temas mais relacionados com a parte relacional e afetiva, nomeadamente as questões das relações de namoro, da vivência da sexualidade e de uma sexualidade positiva.

Abordamos ainda como ser assertivo face a algumas questões com que os jovens podem ser confrontados, face às questões do consentimento, da orientação sexual, das questões de género.

Tudo começa com o pedido inicial e, em função deste, acaba por ser direcionado para a resposta mais adequada. Por vezes, a Sociedade estabelece parcerias de formação para profissionais que depois vão fazer as ações de sensibilização, o que confere uma resposta mais estruturada. As ações de sensibilização, por si só, têm um caráter mais pontual, para dar resposta a uma necessidade específica. Atualmente, no nosso website, existe uma área dedicada à educação sexual, que faz a ligação para vários recursos validados neste âmbito e que a Sociedade pretende dar a conhecer.

Atualmente existe uma perspetiva cada vez maior daquilo que é a vivência da sexualidade e da questão da sexualidade positiva, indo além do modelo biológico, que insiste em estar sempre presente.

Na chamada sexualidade positiva saímos do que são comportamentos de risco para uma sexualidade segura, uma sexualidade gratificante, prazerosa e que proporciona bem-estar; se desmontarmos este conceito vamos perceber que é também dedicado a saber cuidar do corpo e a prevenir determinadas situações relacionadas até com infeções, mas sempre com uma perspetiva positiva. É importante não retirar a noção do prazer até mesmo quando estamos a falar sobre o preservativo, há formas de falar sobre o uso do preservativo numa perspetiva diferente e do outro lado há uma disponibilidade diferente para ouvir estas questões. É muito interessante ver as reações dos jovens a estas questões.

Da Vossa experiência, qual a perceção sobre as barreiras à educação para a sexualidade em contexto escolar?

Atualmente, nós sabemos que a educação sexual está prevista na lei, a sua aplicação e o modo como é desenvolvida em contexto escolar depende muito dos recursos que existem, do que a própria escola vai desenvolver a esse nível e da própria capacidade que tem para o fazer. Por isso, muitas vezes percebemos que a resposta não é aquela que gostariam que fosse, nem é a desejável e, portanto, continuamos com várias lacunas que é importante não deixar passar. E é isso que se percebe, mesmo nos pedidos que recebemos, muitas vezes não há uma estrutura.

Não podemos generalizar a todas as escolas, no fundo vão fazendo aquilo que podem e solicitam ajuda na medida das necessidades que identificam como mais prementes; falta a continuidade necessária a um trabalho que deve ser realizado desde os primeiros anos, com abordagens adequadas às faixas etárias e com uma formação contínua a este nível.

Quando existem situações pontuais, ações de sensibilização, perde-se esta resposta mais continuada, que até poderia levar a outras questões e ao levantamento de necessidades por parte dos jovens, o que muitas vezes não acontece porque a ação foi pontual e ficou ali.

Nós sabemos que este trabalho tem que ser muito direcionado no sentido de os jovens saberem que podem recorrer aos serviços e aos recursos que lhes são disponibilizados, mas de alguma forma tem que existir uma orientação para que eles cheguem a esses serviços e recursos. É necessária uma resposta mais presente e não de uma forma pontual, que é uma coisa que ainda percebemos que falha e que estou certa de que vários profissionais que trabalham na área identificam também estas dificuldades. É um trabalho feito quase por camadas, às vezes temos que começar por aquilo que é mais óbvio e os jovens, se tiverem espaço, vão ficando mais à vontade e colocam outras questões com as quais se identificam e que vão mais ao encontro das suas necessidades, é um trabalho contínuo.

Na sua opinião, que outras ações de educação para a sexualidade em contexto escolar são exemplo de boas práticas?

O programa “PRESSE” é reconhecido pelos profissionais que o consultam, como tendo uma boa organização, uma boa estrutura, com formação para os profissionais trabalharem as temáticas e cuja resposta, que é dada aos jovens nas escolas, articula a parte educacional e a parte da saúde; mesmo os materiais que disponibilizados são efetivamente um exemplo de boas práticas, apresentando uma resposta que é uma garantia de qualidade e um excelente recurso.

O projeto “Sexualidade em Linha”, que já existe há mais de 20 anos, começou por ser uma parceria entre o Instituto Português de Desporto e Juventude e a Associação para o Planeamento da Família. Atualmente é uma contratação pública, mas as caraterísticas do serviço continuam idênticas e, na verdade, é um recurso que está disponível para os jovens e que ao fim destes anos continua a ser único porque permite uma resposta aos jovens no imediato, quer através do atendimento telefónico, quer através das questões por escrito.

É um serviço youth friendly, porque é confidencial, anónimo e gratuito, tem todas as características que nós percebemos que são importantes no desenvolvimento e na abordagem face à sexualidade.

Esta é uma abordagem a coisas que são íntimas, e o facto de existir um espaço para que os jovens possam de uma forma autónoma, no imediato, ter uma resposta a alguma dificuldade sentida no momento – uma gravidez, uma questão sobre a orientação sexual, uma dificuldade em termos do que é a sua vivência de namoro -, e quando necessário um encaminhamento face à situação. É um serviço com características que vão ao encontro das necessidades dos jovens e tem também o rigor técnico-científico dos técnicos que estão na resposta a este serviço. A Sociedade reconhece este tipo de recursos, valida-os e sempre que possível estabelece parcerias; mesmo ao nível da divulgação, criamos espaço para que estes recursos sejam cada vez mais do conhecimento público e cheguem às pessoas, neste caso concreto, aos jovens dos 12 aos 25 anos, que são o seu público-alvo. Infelizmente é um serviço que carece de visibilidade e ainda há profissionais de saúde e jovens que não fazem ideia da existência do recurso que têm ao seu dispor.

Não podemos esquecer os recursos que existem nos serviços de saúde, porque existem espaços de atendimento para jovens, nomeadamente em Lisboa existe o Aparece, que é uma consulta aberta aos jovens (independentemente da sua área de residência), e que é uma mais valia. Sabemos que, por exemplo nos centros urbanos, os jovens não têm tanta resistência a ir a estes serviços ou ao seu centro de saúde, mas em zonas mais rurais isso é um constrangimento muito grande.

Temos jovens que nos verbalizam esta questão – “mas como é que eu agora vou ao meu centro de saúde se toda a gente me conhece, ou conhecem os meus pais” – e, portanto, estes espaços que permitem uma resposta alargada aos jovens são muito importantes.

Depois há a questão dos jovens adultos no ensino superior e, de uma forma muito empírica pois seriam necessários mais estudos neste sentido, as questões que são colocadas em determinada fase da vida de um jovem não são as mesmas que são colocadas quando já estão na faculdade. Muitas vezes são indicadoras de que têm uma sexualidade ativa, o que contraria muito o receio dos pais e educadores sobre o facto de falar sobre sexualidade despoletar alguma coisa. Os estudos e as orientações relativamente ao conceito atual de educação sexual compreensiva, que tem uma perspetiva muito mais abrangente daquilo que é a vivência da sexualidade, aconselham uma maior maturidade para trabalhar estas questões e o espaço e o tempo sem existirem precipitações.

Pretende-se ainda que os jovens tenham uma atitude mais assertiva, fazendo as coisas quando querem e porque querem, e não porque o namorado ou a namorada se sente preparado(a), ou porque o amigo ou a amiga já iniciaram a vida sexual ativa. São estes conceitos que são muito importantes que importa trabalhar não só com os jovens, mas com a população em geral, para desmistificar as questões e os mitos em torno do que é a educação sexual.

Às vezes, há pessoas que ficam escandalizadas por se abordar a educação sexual em contextos do 1º ciclo, quando na realidade estamos a falar das questões e papéis de género e das relações que são cruciais neste estado de desenvolvimento; é este trabalho que evita que possam surgir situações de sofrimento e mal-estar nos jovens. Assim se percebe o quão interessante e importante é trabalhar esta temática.

A Comissão de Educação para a Sexualidade da SPSC reuniu informação disponível gratuitamente aqui.

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