fbpx

Tecnologia, Neurociência e Educação

“Uma abordagem que faz a ponte entre a investigação e a prática de forma sustentável.”

Marc Beardsley e Laia Albó são investigadores da equipa de Tecnologias Interativas e Distribuídas para a Educação (TIDE), no Departamento de Tecnologias da Informação e Comunicação da Universitat Pompeu Fabra (UPF), em Barcelona.

Como contribui o vosso trabalho para as ciências da aprendizagem? Por outras palavras, como cruzam temas de investigação como as ciências da aprendizagem, a tecnologia e o desenho da aprendizagem?

Marc Beardsley: Temos contribuído principalmente através de projetos multidisciplinares. Nestes projetos, reunimos uma equipa composta por pessoas com diferentes formações de base: neurocientistas, psicólogos, tecnólogos e educadores – e trabalhamos em conjunto na resolução de problemas na área da educação. Os objetivos dos projetos são pragmáticos e pretendem produzir resultados que impactem os educadores na sua prática.

O primeiro projeto que conduzimos de acordo com este modelo foi o Projeto Illuminated (https://www.illuminatedproject.eu/), no qual criamos uma série de workshops de desenvolvimento profissional para professores, focados na ponte entre a neurociência e a educação. Os workshops apresentaram aos professores temas da ciência da aprendizagem, como a neuroplasticidade, e combinaram a teoria com práticas baseadas em evidências para a sala de aula, como a prática de recuperação, a prática distribuída, a aprendizagem espaçada, entre outras.

O segundo projeto que seguiu o mesmo modelo multidisciplinar, concluído há apenas uns meses, chama-se Spotlighters (http://www.spotlighters.eu/). O projeto focou-se na ciência do stress e produziu materiais que os professores podem utilizar para ensinar os seus alunos sobre o stress, introduzindo técnicas de autorregulação, como a atenção plena (mindfulness) e a reavaliação cognitiva.

Neste momento temos mais projetos a decorrer que seguem o mesmo modelo e integram o desenho de aprendizagem em equipa para o desenvolvimento profissional dos professores. Nestes projetos, como o projeto Illumine (https://illumine.upf.edu/) e o projeto RemixED (iniciado em Janeiro de 2022), os professores colaboram para adaptar e aplicar estratégias e planos de lição de projetos anteriores como o Illuminated e o Spotlighters, com os seus alunos. Depois de adaptar, implementar e fazer a revisão em equipa, os materiais finais são tornados públicos para que outros professores os possam utilizar como Recursos Educacionais Abertos. Assim, estamos a criar um programa de desenvolvimento profissional para professores, no qual estes aprendem sobre a teoria e depois trabalham em equipa para o implementar nas suas aulas e criar recursos para outros professores.

Laia Albó: Um ponto em comum em todos estes projetos é a necessidade de haver uma estrutura que apoie os professores no uso dos recursos educativos durante o nosso trabalho de investigação, que os ajude a encontrar as melhores estratégias pedagógicas para integrar o conhecimento adquirido de forma eficaz e eficiente nas suas salas de aula. Aqui é quando o desenho da aprendizagem entra em ação.

O desenho da aprendizagem refere-se às escolhas intencionais sobre o quê, quando, onde e como ensinar. Nos nossos projetos, desenvolvemos tecnologias que facilitam a transição entre a investigação e a prática.

Por exemplo, o desenvolvimento de plataformas de desenho da aprendizagem, onde os professores recebem apoio em relação às decisões que têm de tomar sobre o conteúdo, a estrutura, o cronograma, as estratégias pedagógicas, as atividades de aprendizagem e o tipo de avaliação utilizada, bem como, a natureza da tecnologia utilizada para apoiar a aprendizagem. Tudo isto, no contexto da utilização de estratégias de aprendizagem baseadas em evidências (e.g. baseado no conhecimento da neurociência) é proporcionado pelos projetos que desenvolvemos.

Em termos do uso de tecnologias digitais na educação, qual é o estado da arte em relação à motivação dos professores para as utilizarem?

Marc Beardsley: Como sabem, no início da pandemia muitos professores foram forçados a descobrir como utilizar as tecnologias digitais para ensinar, comunicar com os alunos, comunicar com os seus pares e com os pais. Em conjunto com a investigadora Laia Albó, realizamos um estudo de investigação sobre como a experiência de ensino durante a pandemia influenciou a relação dos professores espanhóis com a tecnologia (Beardsley, Albó, Aragón & Hernández‐Leo, 2021; Albó et al., 2020). O objetivo do estudo era o de perceber em que aspetos os professores se tornaram mais proficientes e quais ainda necessitam de melhorar.

Como era de esperar, os professores espanhóis melhoraram a sua capacidade de utilizar tecnologias digitais nas tarefas essenciais – comunicar via e-mail, reuniões online com colegas, alunos e pais. Verificou-se um aumento do uso de sistemas de gestão da aprendizagem (Google Classroom, Moodle, etc.). E para muitos, estas eram as tecnologias nas quais confiavam para comunicar e documentar o seu trabalho. Alguns professores conseguiram aproveitar o tempo para explorar e descobrir mais recursos interativos, mas muitos não foram além da pesquisa sobre as tecnologias de comunicação de acordo com a sua necessidade.

Portanto, há espaço para ajudar os professores a melhor integrar tecnologias digitais que possam ajudá-los na sua prática pedagógica – envolvendo e motivando os alunos, e apoiando, medindo e avaliando o processo de aprendizagem. E parece haver uma maior consciencialização da parte dos professores de que a tecnologia os pode ajudar na sua prática.

Podem descrever algumas tecnologias que têm desenvolvido no grupo de investigação TIDE? Quais têm sido as reações dos professores a essas tecnologias?

Marc Beardsley: A principal tecnologia em que tenho trabalhado no grupo de investigação é a ClassMood App (https://classmood.upf.edu/). Criei a App no âmbito do projeto Spotlighters. É uma ferramenta online e gratuita, que visa ajudar os professores a desenvolver competências de regulação emocional nos seus alunos.

A app ajuda os alunos a perceber e a rotular as suas emoções, aprendendo técnicas que podem ser utilizadas para tornar os seus estados de humor mais positivos e benéficos para a aprendizagem – técnicas como a respiração consciente ou simples exercícios energizadores.

Os professores demonstraram muito interesse na app – principalmente aqueles que aprenderam mais sobre a ciência do stress – e esperamos testar mais substancialmente a ferramenta com alunos no futuro próximo.

Laia Albó: Tenho trabalhado principalmente no desenvolvimento de plataformas comunitárias de desenho da aprendizagem para professores. Um dos resultados da minha tese de doutoramento foi o desenho e desenvolvimento da ferramenta edCrumble (https://ilde2.upf.edu/edcrumble/), uma ferramenta social de planeamento de aulas para educadores. Esta permite que os educadores façam o planeamento das suas aulas, tendo em consideração o alinhamento das atividades e recursos educativos quando combinam aulas online e offline, conhecidas como híbridas.

Recentemente, tenho trabalhado na plataforma comunitária BLENDI (https://ildeplus.upf.edu/BLENDI/), que facilita o co-desenho de aulas híbridas entre professores e alunos, e tem como objetivo dar voz aos alunos durante o processo de desenho da aprendizagem, uma abordagem baseada na pedagogia inclusiva. Os professores demonstraram muito interesse em ambas as ferramentas, principalmente nos tempos da pandemia, em que tiveram de dar aulas online ou passar para um regime híbrido (online e offline). Ambas as plataformas (disponíveis gratuitamente online) receberam o prémio de melhor demonstração em diferentes edições de uma conhecida Conferência Europeia sobre Aprendizagem Assistida por Tecnologias e esperamos continuar a trabalhar na sua melhoria durante o próximo ano.

Na vossa opinião, quais são os próximos passos para o uso mais regular de tecnologias digitais na prática docente?

Marc Beardsley: Acho que o primeiro passo é determinar se o uso regular de tecnologias digitais é benéfico para as práticas de ensino e aprendizagem e, em caso afirmativo, em que contextos. Parece haver situações em que o uso de tecnologias digitais pode apoiar o processo de ensino e aprendizagem. O que nem sempre é claro é quais são os custos do aumento da utilização de tecnologia na escola – por exemplo, ter uma maior compreensão de como esta afeta o bem-estar para além da aprendizagem.

A minha impressão é que muitos professores do ensino secundário estão ansiosos por integrar mais tecnologia na sua prática docente. Percebem os benefícios na motivação e envolvimento dos alunos, o que por vezes é um desafio quando se trabalha com adolescentes. Por outro lado, os professores de crianças mais novas (pré-escolar e 1ºciclo) mostram-se mais hesitantes em introduzir novas tecnologias digitais nas suas aulas. Mostram-se mais preocupados com o impacto negativo que pode surgir do aumento do uso de tecnologias digitais.

Laia Albó: Concordo com o Marc, acrescentaria que a tecnologia está a evoluir tão rapidamente que é urgente garantir que professores e alunos têm boas competências digitais. Só com um bom domínio destas competências, somos capazes de criticamente escolher as melhores opções de tecnologia digital para cada situação de ensino-aprendizagem.

A inteligência artificial está a começar a entrar no setor educacional e vamos precisar que os educadores integrem o conselho responsável por moldar essas tecnologias avançadas para garantir que estas servem e beneficiam eticamente os propósitos educacionais e não outros.

Considerando as áreas de investigação como a neurociência, tecnologia e desenho da aprendizagem, quais são os futuros caminhos de investigação que gostariam de explorar para apoiar a prática docente?

Marc Beardsley: Há tantas áreas que podem ser exploradas. Neste momento, estou a concentrar-me na aprendizagem emocional e social, mais especificamente, no desenvolvimento de programas que possam melhorar a literacia em saúde e a literacia em saúde mental de professores e alunos. Parte deste trabalho irá envolver uma expansão da ClassMood App e o trabalho desenvolvido no projeto Spotlighters.

Outro aspecto em que eu e a Laia estamos a trabalhar é o desenho da aprendizagem baseado no trabalho em equipa, já referido anteriormente. Mais uma vez, enquadramos esta abordagem de desenvolvimento profissional dos professores – equipas de professores trabalham em conjunto para desenhar ou redesenhar atividades de aprendizagem. Incorporar a teoria introduzida nos workshops de desenvolvimento profissional nas atividades a desenvolver com os seus alunos. Em certo sentido, é uma abordagem de desenvolvimento contínuo orientada pelo próprio professor; os professores identificam o problema a resolver. Os investigadores ajudam com a teoria, e os professores usam o desenho da aprendizagem como o mecanismo para explorar como aplicar a teoria na sala de aula. Um benefício desta abordagem é que os recursos desenvolvidos pelos professores podem ser usados pelos seus pares.

Este é um dos princípios centrais do desenho da aprendizagem – criar e partilhar recursos reutilizáveis para melhorar o ensino e a aprendizagem de todos.

Portanto, acho que há um grande potencial no desenho da aprendizagem em equipa como uma abordagem que faz a ponte entre a investigação e a prática de forma sustentável.

Conheça estes e mais recursos digitais para a educação da equipa TIDE-UPF aqui!

Explore a mais recente investigação dos autores nos seguintes artigos:

Beardsley, M., Albó, L., Aragón, P., & Hernández‐Leo, D. (2021). Emergency education effects on teacher abilities and motivation to use digital technologies. British Journal of Educational Technology, 52(4), 1455-1477.

Albó, L., Beardsley, M., Martínez-Moreno, J., Santos, P., & Hernández-Leo, D. (2020, September). Emergency remote teaching: Capturing teacher experiences in Spain with SELFIE. In European Conference on Technology Enhanced Learning (pp. 318-331). Springer, Cham.

Veja também:

Siga-nos
© 2024 Associação Sem Fins Lucrativos Kokoro