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Perceções sobre a motivação na profissão docente

“O que os futuros professores sentem falta é de apoio psicológico.”

Natasa Simic é investigadora no Instituto de Psicologia, na Faculdade de Filosofia da Universidade de Belgrado.

Qual a situação atual na Sérvia relativamente à crise no número de professores e de que forma esta se relaciona com a motivação dos professores?

Este é um tema muito complexo. Efetivamente, temos tido dificuldades com o número de professores e de jovens interessados nesta profissão há quase uma década. O principal motivo deve-se ao estatuto do professor; à opinião e às perceções do público sobre a profissão docente.

A nossa investigação mostrou que, embora os salários dos professores não sejam competitivos, os professores gostam mesmo da sua profissão e de trabalhar com as crianças; os professores não estão satisfeitos com a falta de reconhecimento do seu trabalho.

O estatuto geral da sua profissão e as conceções erradas que as pessoas têm, como por exemplo considerarem que os professores têm um longo período de férias e não trabalharem muito, são questões que magoam os professores uma vez que, o público não conhece a sua posição e as muitas obrigações e responsabilidades que têm. Quando realizamos a investigação sobre a motivação dos estudantes para a profissão de ensino, identificamos dois grupos de futuros professores: os que efetivamente querem trabalhar com crianças – intrinsecamente motivados para a profissão -; e os que apresentam uma motivação extrínseca. Este último grupo gostaria de ter esta profissão porque partilham da ideia que os professores têm um longo período de férias e poucas horas de trabalho. No entanto, eles não estão conscientes sobre todas as obrigações que os professores têm, e acreditam que terão muito tempo livre e para a família.

Outro aspecto preocupante refere-se à associação entre professores e a sua necessidade ou desejo de serem uma figura de autoridade perante as crianças. Receamos que estes professores possam utilizar a sua oportunidade de trabalhar com 20 ou 30 estudantes de forma indevida, aplicando a sua autoridade negativamente.

A investigação dedicou-se unicamente a professores na Sérvia? E nesse caso, encontraram esta mesma tendência na motivação de futuros professores?

Quando conduzimos o estudo, exploramos a situação noutros países. Li vários relatórios de diferentes países, mas recolhemos dados apenas dos professores na Sérvia.

Identificamos uma tendência de motivação intrínseca nos futuros professores e, aproximadamente, 10 a 20% estavam extrinsecamente motivados e mais interessados em utilizar a sua autoridade e em ter muito tempo livre. Também identificamos uma tendência nos professores que iniciam a sua profissão realmente entusiasmados, sofrendo uma diminuição na sua motivação devido ao choque com a realidade.

Muitos destes novos professores ficam exaustos cedo, porque pretendem inovar mas enfrentam muitos obstáculos – falta de recursos, falta de compreensão pelos colegas ou pelos encarregados de educação – e alguns acabam por experienciar burnout e desistir da profissão.

Perdemos muitos estudantes incríveis e professores entusiásticos nos primeiros 3 anos. Aqueles que permanecem na profissão tentam lidar com todas estas questões diariamente, podendo observar a diminuição da sua motivação desde o início da sua carreira docente mas ainda assim expressam que gostam de ensinar e de trabalhar com crianças; o que os sobrecarrega são outros aspectos da profissão, como o trabalho administrativo e o trabalho com outros professores, com os diretores das escolas, com os políticos, com os encarregados de educação.

Qual a sua opinião sobre o que pode ser feito para ajustar o currículo e melhor preparar os professores para a profissão?

A formação inicial de professores é a parte mais importante no seu desenvolvimento profissional. Contudo, existem poucos exemplos positivos na Sérvia, pois a parte pedagógica da área de Psicologia não é a mais importante no seu currículo, mais focado em matemática ou química, mas depois carecem de prática escolar. Usualmente, a parte pedagógica é incluída como uma atividade formal: durante uma semana, onde observam algumas aulas, obtêm um certificado e já está. Não existe acompanhamento por mentores, não são expostos a boas práticas e, por isso, existem muitas oportunidades de melhoria na educação de professores.

Outro problema refere-se ao facto de que os professores que trabalham na faculdade, e que podiam lecionar estes cursos das áreas pedagógica e psicológica, têm uma posição igualmente má porque não são reconhecidos como cientistas, debatem-se com a obrigação de publicar artigos e não são reconhecidos pelos colegas. Nestas condições, estes professores do ensino superior também não estão motivados para ensinar futuros professores, alimentando um ciclo vicioso.

Outro problema está associado ao facto de que os professores sentem falta de apoio nos primeiros anos da profissão, pois quando entram na escola são acompanhados por um mentor durante um ano mas esta fase não é utilizada como uma oportunidade para os capacitar.

O que os futuros professores sentem falta é de apoio psicológico, porque mesmo quando têm bons mentores, que aplicam métodos inovadores e têm boas relações com os encarregados de educação, não têm formação para prestar apoio psicológico aos novos professores que vivenciam situações de stress e não sabem como lidar com o mesmo.

Na Sérvia, um problema é que o sistema está centralizado. Esta característica tem-se intensificado nos últimos anos, uma vez que o Ministério seleciona os diretores das escolas e, concomitantemente, os professores não têm qualquer poder na seleção do seu diretor. Normalmente, estes diretores não são os professores mais bem-sucedidos ou os melhores gestores e quando vêem professores jovens e entusiásticos atribuem-lhes muito trabalho, resultando no seu burnout.

Face às várias dimensões que foi referindo – política, organizacional, professores e alunos -, quais as medidas que gostaria de ver implementadas para melhorar esta situação?

Primeiramente, penso que o estatuto e a posição na sociedade é o ponto mais importante a intervir. Podemos atrair mais pessoas para esta profissão se o seu estatuto for melhor; os professores serão mais felizes e provavelmente mais produtivos se o seu estatuto for melhor. Acredito que aumentar os seus salários e o acesso a mais recursos são igualmente medidas importantes para os professores terem acesso a Internet, computadores e a oportunidade de gerirem o seu desenvolvimento profissional. Os professores não têm os recursos básicos, como computadores, e não podem implementar algumas das abordagens que aprendem.

Atualmente, os professores têm de participar em vários tipos de workshops ou conferências como parte do seu desenvolvimento profissional, mas normalmente têm de pagar. Ao mesmo tempo, existem situações em que são as escolas que selecionam o seminário assegurando o custo, e os professores sentem-se obrigados a ir ainda que o tópico não lhes interesse para a sua área ou porque já o dominam; não podem escolher o seu percurso profissional.

Esta é a primeira mudança a nível geral que implementaria – oportunidades de progressão e mais liberdade e autonomia para selecionarem o percurso para o seu desenvolvimento profissional. Mais uma vez, este é um problema da centralização, da falta de autonomia, que mudaria se os professores pudessem selecionar o seu diretor. Quando têm um diretor na escola que foi selecionado pelo Ministério, associam-no a uma figura política e não estão confortáveis para partilhar as suas ideias; o pensamento crítico não é apoiado ao contrário do status quo, e os professores retraem-se em testar novos métodos porque não são compensados por isso. Esta atmosfera esvazia o que identificamos na literatura como a comunidade profissional de aprendizagem – cria uma comunidade fechada de não aprendizagem.

Outro problema sobre o percurso profissional refere-se à inexistência de oportunidades de progressão pois, ainda que descritas a nível legal, os professores recebem o mesmo salário. Existem os professores que estão efetivamente motivados e despendem o seu dinheiro em formações e na aprendizagem de novas abordagens, mas no fim têm a mesma posição, o mesmo título e o mesmo salário que os colegas. Talvez o salário base não deva aumentar, mas deve existir um sistema de recompensas para que os que estão mais envolvidos recebam, por exemplo, novas oportunidades de mobilidade e job shadowing para regressarem à escola com boas práticas e sentirem-se motivados para as implementar.

A nível da escola, é necessário ter mais liberdade e autonomia para falarem; ao nível dos professores, temos de regressar à formação inicial de professores para desenvolverem mais competências e experiências através da prática escolar. Uma ligação eficaz entre as escolas e as universidades, bem como entre as diferentes universidades, é crucial se queremos alterar a situação atual.

Na nossa faculdade, convidamos professores de química para trabalharem com os alunos de psicologia, que serão futuros orientadores vocacionais nas escolas, preparando em conjunto planos de educação individualizados. Este tipo de partilha e colaboração é sempre útil mas não encorajado e, por isso, não surge com a devida frequência.

Explore a mais recente investigação da autora Natasa Simic aqui.

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