“O que sabemos neste momento é que a saúde e a educação não podem andar separadas.”
Como surgiu a ideia de criar o gabinete de apoio ao educador?
Tiago Barros: Esta ideia surgiu da minha parte porque no nosso dia-a-dia no Pom-Pom, começámos a sentir a necessidade de ajudar a equipa docente a trabalhar mais especificamente com algumas crianças. Sentimos um aumento de casos, diagnosticados, pré-diagnosticados ou sinalizados, ou talvez um aumento da sensibilidade principalmente no pós-pandemia. Ao recebermos estas crianças com necessidades diversificadas, sentimos que a equipa não tinha todas as ferramentas necessárias para as ajudar e, por muito boa vontade que tivessem, sentimos necessidade de ter alguém específico que as pudesse ajudar e dar-lhes ferramentas, trabalhar com elas, desenvolver práticas e aplicar ferramentas em contexto de sala. Como já tínhamos um contato prévio com a Mais Capaz, começamos a desenvolver esta atividade em conjunto para trabalhar cada caso específico, adotando comportamentos e estratégias dirigidos a cada criança.
Sara Pacheco: Já vínhamos a trabalhar há algum tempo com a equipa do Pom-Pom. Este trabalho é uma das nossas bandeiras porque efetivamente sentimo-nos muito bem a desenvolvê-lo junto das escolas e o Pom-Pom é um excelente exemplo disso, há uma confiança mútua entre as equipas. O professor Tiago foi o impulsionador, abriu-nos as portas e permitiu-nos estar e conhecer as pessoas, as dinâmicas e as crianças e neste momento há uma dinâmica já muito natural.
Este Gabinete de Apoio é algo mais recente, a ideia é não ser tão dirigido à criança, mas dirigido ao educador, ou seja, o educador tem a sua formação de base, mas não pode ter ferramentas relacionadas com a saúde, o que sabemos neste momento é que a saúde e a educação não podem andar separadas.
Não queremos educadores peritos em identificar perturbações do desenvolvimento, queremos naturalmente ir transmitindo algumas estratégias para que o processo de identificação seja mais fácil. Muitas vezes o educador é o primeiro identificador e tem a insegurança normal de vir a gerar uma preocupação desnecessária e neste sentido entramos nós. Há uma complementaridade muito grande, sou uma defensora de parcerias porque sozinhos não fazemos nada, temos de andar de mãos dadas com toda a gente, este é o mundo ideal e tentamos que assim seja.
É um serviço mais dirigido ao educador e no fundo encabeçado pela psicologia, porque há também um trabalho emocional a fazer com o educador de uma forma subtil, que passa por estratégias emocionais para que este possa lidar com os desafios que são cada vez maiores.
Sentimos os educadores cansados, e não estou a falar apenas do Pom-Pom, mas do que vamos auscultando na nossa prática, há um desgaste nas pessoas que estão com crianças todos os dias e que justifica o nosso apoio.
Quais as principais áreas de trabalho que desenvolvem com o educador no âmbito deste gabinete de apoio?
Verónica Rodrigues: Este é um trabalho muito dinâmico, não existe um gabinete fixo em que os educadores vão bater à porta, é um gabinete mais dirigido ao contexto.
Vou fazendo rondas constantes e falando com cada educador de cada sala, percebendo como estão as coisas, quais são as necessidades que têm sentido e a partir daí vamos construindo aquilo que faz sentido para eles. Não existe propriamente uma intervenção já pensada e altamente dirigida, é feita e construída com o educador, especialmente para a criança sobre a qual nos estamos a focar. Às vezes numa mesma perturbação não funcionam as mesmas estratégias e uma estratégia não vai funcionar para sempre porque as crianças estão sempre a desenvolver-se, vão-se adaptando às nossas respostas e temos de nos adaptar com elas, o que é muito difícil porque estar sempre em adaptação e a aprender coisas novas, é muito cansativo para os educadores.
O apoio ao educador, na valência mais emocional, passa pela questão de como o educador pode gerir a sua própria inteligência emocional e as competências que daí advêm para dar uma resposta que seja mais funcional, adaptada, informada e com estratégias que sejam dirigidas.
Passa por transmitir-lhes segurança, precisamos de estar todos em rede, há um ditado que utilizo muito e que diz algo como – é preciso uma aldeia para criar uma criança -, e portanto, quantos mais estivermos na rede melhor, desde que a trabalhar para o mesmo lado, com estratégias consistentes quer da parte do educador, quer da parte dos pais e comunicando sem causar dano na relação educador-pais.
Sara Pacheco: No trabalho com a equipa do Pom-Pom, trabalhamos muito a questão do momento em que a informação sobre a criança deve ser transmitida aos pais. Trabalhamos tanto a segurança como a estrutura emocional do educador e isso foi bem percecionado e aceite pelo professor Tiago quando arrancamos o novo ano letivo, o que diz muito da preocupação da direção para com os seus trabalhadores; queremos servir bem as crianças mas se as pessoas que cuidam das crianças não estão bem, não vai funcionar. De alguma maneira já fazíamos esta consultoria na identificação precoce de algum tipo de preocupação e de sinal, mas não neste apoio mais emocional.
Verónica Rodrigues: Esta consultoria que nós fazíamos era mais pontual, hoje em dia há um conjunto de horas em que estou sempre em sala, já conheço as educadoras e as crianças e muitas vezes há maior facilidade de uma educadora me perguntar por exemplo, se o que escreveu no relatório está bem, o que facilita muito o processo, eu posso não estar a acompanhar a criança mas estou a acompanhar a estrutura que o educador está a dar e forneço alguns inputs, que muitas vezes é apenas validação, mas da qual eles necessitam.
Dar-lhes o conforto emocional que lhes permita ter mais segurança no que estão a fazer e a proximidade que temos neste momento, é diferente de ir lá de vez em quando, é o criar a relação e estar disponível.
Consideram que esta intervenção que desenvolvem com o educador é mais solicitada pós-pandemia?
Sara Pacheco: É uma necessidade muito mais evidente no pós-pandemia, se calhar há cinco anos não havia tanta necessidade desta validação porque estava tudo encarreirado. As crianças, na sua maioria, faziam um desenvolvimento dentro do típico, não havia grandes questões, ou quando havia, eram acompanhadas por um diagnóstico, o que tornava tudo mais fácil. Neste momento temos em acompanhamento crianças muito pequenas, em que se passa ali alguma coisa e não se sabe muito bem o quê, são questões comportamentais, emocionais, da parte mais social, da comunicação, da interação, da conexão com o meio e com o outro e não há um diagnóstico, o que é muito complicado para um educador que tem toda uma dinâmica estruturada. Enquanto que antes num grupo de 20 havia uma criança que estava alheada, agora se calhar num mesmo grupo de 20, temos 5 ou 6 crianças nesta situação.
Verónica Rodrigues: Muitas destas crianças pequenas de que a Sara está a falar, são crianças que nasceram em época Covid, em quarentena, que passaram muito tempo em casa sem o contato com pares e outras experiências, muitas vezes filhos únicos e que os pais não têm nenhum termo de comparação o que depois complica a comunicação com estes pais. São pais que muitas vezes não estão preparados para ouvir que poderá haver alguma questão com os filhos, porque em casa estava a correr tudo bem e só agora, no contexto de jardim de infância ou de creche, é que se percebe que comparativamente com outras crianças das mesmas idades, do mesmo grupo de referência, não existe assim tanta similaridade e é preciso alertar os pais.
Também tivemos de nos adaptar, o que fazemos agora é reestruturar este feedback, se antigamente bastava ir observar, dar feedback aos educadores e estes transmitirem aos pais, hoje em dia quando há observações mais formais, além de fazer uma nota para o educador, faço também uma nota clínica escrita para os pais sobre aquilo que identificamos. Os educadores às vezes partilham que os pais precisam de uma pessoa externa porque não acreditam no educador e este trabalho que fazemos vem validar a opinião do educador.
Também estamos a falar de pais cada vez mais diferenciados, que precisam de informações mais técnicas e dão valor a isso, achamos que esta pode ser uma forma de ajudarmos os educadores e de tornar mais fácil a comunicação com os pais.
O cansaço e o quase burnout dos educadores tem sido uma constante, e efetivamente com a pandemia piorou muito; as crianças chegam totalmente diferentes, com comportamentos e desenvolvimentos diferentes. Saíram novas diretrizes em termos de saúde do que são os desenvolvimentos esperados, há coisas que já são adquiridas mais tarde e que se calhar antes eram alvo de sinalização e agora não são, o que se torna bastante confuso para os educadores que nem sempre sabem o que fazer com esta informação e como é que se atualizam. Os educadores são bombardeados por informação, não só na área da educação como nestas questões mais ligadas com a saúde, chegam crianças sinalizadas por questões diferentes que já foram diagnosticadas e estão a ser acompanhadas fora e há dúvidas que surgem porque esta comunicação imediata nem sempre acontece e os educadores muitas vezes sentem-se perdidos e sem saber o que fazer com cada criança.
Qual é o feedback que têm recebido dos educadores e dos pais?
Tiago Barros: O feedback por parte dos educadores penso que é excecional, senti isso porque a equipa fez com que eu sentisse isso. A equipa, como agora tem mais validação, pega nesta ajuda e vai procurá-la quando necessário.
Um aspeto bem diferente é o feedback por parte dos pais, depende muito de cada família, depende muito das culturas e notamos isso porque recebemos crianças de várias partes do mundo, temos crianças russas, norte-americanas, polacas, ucranianas, checas e toda esta miscelânea de culturas por vezes leva a diferenças na identificação e valorização de comportamentos.
Ainda não estamos na velocidade de cruzeiro em que os pais percebem que existe aqui um apoio um pouco mais sólido e que as educadoras têm esse apoio por parte da Mais Capaz. Também acho que ainda não existe abertura suficiente para a grande maioria dos pais falar sobre isto e assumir que de facto o seu filho pode ter um problema e que tem de ser ajudado; temos de lhes dar tempo para perceberem isso, sabendo que ao darmos tempo aos pais poderemos estar a tirar tempo às crianças e este equilíbrio não é fácil de gerir mas é mais um exemplo da ajuda que a Mais Capaz pode prestar.
De que forma a criação deste gabinete contribui para o reconhecimento profissional dos educadores de infância?
Verónica Rodrigues: A Sara disse uma coisa muito importante, são os educadores que sinalizam, são o ponto de triagem, muitas vezes não validada pelas questões todas de que temos falado; por isso dar-lhes ferramentas que lhes permitam chegar mais longe, dizer as coisas de uma forma mais esclarecedora, que lhes permita aumentar a comunicação com as famílias, é reconhecer que a palavra dos educadores importa.
Sara Pacheco: É uma formação que não é dada num momento formal, esses momentos também existem obviamente, mas o facto de estarmos presentes semanalmente, permite que uma formação natural vá acontecendo e temos educadores a usar termos que são muito nossos o que é muito giro de ver, no início eram termos estranhos que tínhamos que desconstruir e neste momento olham e percebem claramente o que é e sabem comunicar isso. Os pais também vão sentindo que os educadores comunicam de outra forma, o que também lhes transmite maior segurança.
Este papel é importante para que os pais validem e não tenham que ir a correr confirmar com um pediatra, o educador é um profissional que trabalha com o desenvolvimento, não vai perceber como é que se trata clinicamente uma determinada situação, mas vai saber identificar e cada vez mais temos que enaltecer este papel porque os educadores são sem dúvida responsáveis pela maior parte da referenciação e da identificação.
Tiago Barros: É um pouco como o papel da triagem no hospital, se for mal feita, tudo o que vem a seguir pode correr mal, mas se a triagem for bem feita vai ajudar todo o processo. Em termos de reconhecimento por parte dos pais e da comunidade educativa ainda estamos um bocadinho longe de chegar lá, até porque estamos a falar de um projeto que tem alguns meses. Mas vemos a vontade por parte da equipa de aproveitar estas ferramentas para crescerem, ajudando as crianças e as famílias, que é o objetivo deste gabinete.
E o que reserva o futuro ao gabinete de apoio ao educador e de que forma pode ser replicado por outras instituições?
Verónica Rodrigues: Reserva o ampliar aquilo que é o nosso público-alvo, temos percebido ao longo destes meses que temos que envolver a família de uma forma diferente, temos que mudar algumas dinâmicas para que as famílias estejam mais incluídas. Digo muitas vezes aos educadores que os pais para poderem ouvir têm que falar primeiro, porque senão já não vão estar atentos. É importante dar-lhes a oportunidade de falarem e dizerem a sua opinião, sendo ouvidos e validados e só depois dar continuidade ao que é preciso fazer, têm de estar mais envolvidos no processo. Temos de criar uma nova dinâmica que traga os pais, esse deve ser o próximo passo do gabinete do educador.
Sara Pacheco: A Mais Capaz tem neste momento parcerias estabelecidas com vários colégios. Nós não temos uma parceria standard, a forma como trabalhamos não é igual porque tentamos adaptar-nos às dinâmicas e às necessidades identificadas por cada parceiro. Há parceiros em que temos o serviço de consultoria muito ativo e nos solicitam apoio quase diariamente e temos outros parceiros em que o nosso papel é muito mais de intervenção direta com a criança no contexto. Os colégios trabalham todos de forma muito diferente e fazemos a adaptação às necessidades identificadas. Temos contextos mais formais e outros que são mais familiares e temos sempre que adaptar a resposta.
É um projeto facilmente replicável noutros contextos, agora tudo o que envolve questões emocionais é um campo sensível, tem que se conhecer muito bem a equipa a quem se vai propor isto porque os educadores podem não estar conscientes da necessidade de trabalhar as questões emocionais, tem que haver o reconhecimento dessas fragilidades que todos temos.
Tiago Barros: Temos este projeto neste momento mas o contato com a Mais Capaz já existe há mais tempo. Este projeto tem alguns meses e penso que ainda temos um longo caminho a percorrer mas isto é um projeto-piloto, estamos a desbravar caminho e tem de ser algo que seja adaptável a cada contexto, que é diferente porque tem pessoas diferentes e as escolas vivem das pessoas.
Saiba mais sobre a intervenção da Mais Capaz e a oferta do Jardim de Infância O Pom-Pom!