“Com conteúdos básicos mas que podem marcar a diferença na vida dos alunos e dos que os rodeiam.”
Como surgiu a ideia de criar o projeto ‘AVC vai à escola’?
A Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos, de que me cabe ser o presidente neste momento, é uma associação prevalentemente de sobreviventes, embora com a participação ativa de familiares, cuidadores e profissionais de saúde.
A associação tem dois grandes objetivos que estão no objeto social, no Artigo 3º dos estatutos, sendo o primeiro contribuir para a prevenção, para evitar o máximo possível os acidentes vasculares cerebrais – a primeira causa de morte e de incapacidade em Portugal – queremos contribuir para a prevenção, para o melhor tratamento e a reabilitação destes casos. O segundo objetivo, que é naturalmente onde dedicamos mais tempo, passa por contribuir para a satisfação das necessidades dos sobreviventes e cuidadores, que são da mais diversa ordem.
No âmbito da contribuição para a prevenção, surge o projeto ‘AVC vai à Escola’. É um projeto que se dirige aos alunos do 9º ano e do secundário e cujas sessões, através de profissionais de saúde, estão divididas em duas partes principais.
A primeira parte é dedicada à prevenção, ao alerta para os fatores de risco e também para os sinais de alerta, porque quando acontece um AVC cada minuto é de ouro, se as pessoas forem objeto do tratamento necessário têm boas hipóteses de evitar, ou de pelo menos diminuir, as sequelas na própria vida. A segunda parte, que em geral ocupa os últimos 10 a 15 minutos, consiste em testemunhos de sobreviventes de AVC, em que na prática se demonstra que há vida após o AVC, que estas são pessoas que têm que ser integradas na sociedade. O AVC é uma realidade muito vasta, diria que são raras as famílias em que não há experiências de AVC. Nesta segunda parte da intervenção dos sobreviventes de AVC, habitualmente faz-se um silêncio na sala, todos ouvem com muita atenção, são experiências que ficam gravadas nos jovens, mas simultaneamente, a primeira parte dedicada à prevenção acaba por ser muito valorizada por esta parte testemunhal.
De que forma o desenho deste projeto responde à necessidade de promover a prevenção desta emergência médica?
Na informação que produzimos, tentamos sempre duas coisas que são essenciais: primeiro o rigor da informação que é dada, seja sobre a prevenção, seja por exemplo sobre os direitos do sobrevivente de AVC; e, simultaneamente, transformar esta informação rigorosa em linguagem acessível ao comum dos cidadãos, mesmo no que se refere aos conceitos médicos.
O que é transmitido em termos de prevenção é o que está presente no nosso folheto onde identificamos uma lista de atitudes. Mais do que falarmos sobre prevenção, gosto de dizer que falamos sobre a diminuição das hipóteses de vir a ter um AVC. Infelizmente as estatísticas dizem-nos que aproximadamente 1 em cada 4 pessoas vai sofrer um AVC no futuro, devido ao ritmo de vida que levamos, aos hábitos de vida e alimentares, há cada vez mais a sensação de que não é uma doença de velhos, muito pelo contrário, o AVC pode acontecer desde criança, ou até a crianças ainda no ventre da mãe, cada vez mais acontece em idades em que não seria suposto. E isto tem a ver sobretudo com hábitos alimentares, hábitos de fazer exercício físico, hábitos de controlar regularmente a tensão arterial, etc. Por exemplo, o principal fator de risco é a hipertensão arterial e esta não provoca dor, só quando acontece algo mais grave é que se dá conta que afinal era hipertenso.
Um aspeto muito importante é a transmissão dos sinais de alerta, os três Fs – a fala alterada, a diminuição de força em um dos lados do corpo e o desvio face – pelo efeito multiplicador, basta que um jovem fixe esta informação e no futuro, na presença de uma pessoa que comece a evidenciar um dos sinais de alerta, ter este conhecimento é logo diferenciador e pode marcar a diferença na vida dessa pessoa. São estes os critérios que interessa transmitir, obviamente que não basta transmitir em 50 minutos mas é uma chamada de atenção que é completada com o testemunho, tornando a intervenção mais rica para todos os envolvidos.
A nossa intervenção no ‘AVC vai à Escola’, por norma decorre num tempo letivo de 50 minutos, é muito simples de implementar, com conteúdos básicos mas que podem marcar a diferença na vida dos alunos e dos que os rodeiam.
De que forma é que as escolas podem ter acesso ao projeto?
A Portugal AVC existe para todo o país, seja no litoral ou no interior, no norte ou no sul, mesmo nas ilhas. Em geral, somos contactados pelas escolas mas há situações em que as pessoas, que de alguma forma estão ligadas à associação, fazem a ligação com as escolas onde estão os seus filhos ou onde trabalham ou integram a Associação de Pais. Também há zonas do país que estão mais próximas dos nossos Grupos de Ajuda Mútua e isso facilita a coordenação, mas sempre que recebemos contatos de zonas em que nunca houve uma ação concreta, por exemplo, damos sempre uma resposta positiva, voluntária e sem qualquer custo para as escolas.
O ideal seria se conseguíssemos uma ação sistemática em todas as escolas, porém, há que ter em conta que esta é uma ação que se desenvolve totalmente de forma voluntária por todas as pessoas envolvidas. Por isso, o principal desafio passa por conseguir dar resposta a todas as solicitações mas até hoje, com maior ou menor esforço, temos conseguido sempre.
Após a implementação do projeto, que feedback tem recebido da comunidade educativa?
O feedback é muito positivo. Não houve nenhuma escola até hoje, e são já algumas dezenas, que tenha expressado algo negativo sobre a ação, antes pelo contrário, referem que é uma experiência muito positiva.
Muitas vezes integramos a ação no âmbito do PES – Projeto de Educação para a Saúde, e o feedback que recebemos é muito positivo, quer da parte dos professores e da própria escola, quer da parte dos alunos; nomeadamente pela segunda parte da intervenção, é muito comum que no final da ação os alunos venham falar connosco e partilhar as suas próprias experiências.
Temos algumas pessoas que começaram a fazer parte dos Grupos de Ajuda Mútua, após terem sido identificados pelos alunos das escolas. Costumo dizer que isto é o nosso “doping”, porque sempre que vamos a uma escola e corre tudo bem, alimenta ainda mais a nossa vontade de trabalhar nesta área.
Quais os próximos passos do projeto e da vossa Associação?
Em primeiro lugar, a nossa associação que existe há 6 anos funcionando de forma quase totalmente voluntária, ainda não parou de crescer. Sentimos a necessidade de irmos profissionalizando alguns aspetos, mas nunca colocando um travão à expansão quer geográfica, quer mesmo de respostas às pessoas, da produção de materiais, etc.
Concretamente, em relação ao ‘AVC vai à Escola’, o ideal seria oferecer o projeto a todas as escolas, mas não sentimos ainda que tenhamos uma estrutura capaz de dar esta resposta, de forma que mantemos a atitude de responder a todas as escolas e há inclusivamente escolas em que já temos repetido a presença. O que temos constatado, é que de ano para ano, a nossa ação tem crescido, neste momento já temos 30 a 40 escolas por ano a usufruir do projeto.
Naturalmente beneficiamos também da expansão geográfica da nossa presença e da nossa ação, porque se tivéssemos apenas uma equipa vocacionada para o projeto isto seria impossível. Quando temos solicitações de zonas com as quais ainda não temos contato, procuramos o Grupo de Ajuda Mútua mais próximo e tentamos articular de forma a que assegurem a apresentação do projeto. Esta atitude de resposta às solicitações tem sido suficiente para o crescimento da iniciativa.
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