fbpx

‘Learn to Fly | Aprende a voar’ – promover a participação social na infância através do diálogo intergeracional

“Porque é que não participamos quando temos oportunidade?”

Cátia Branquinho é doutorada e pós-doutorada em Ciências da Educação, psicóloga clínica e da saúde e investigadora da equipa Aventura Social com trabalhos ligados à promoção da participação social juvenil e na infância.

Como surgiu a ideia de criar o projeto ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’?
O ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’ surge do historial de trabalho da equipa Aventura Social dedicado à promoção da participação social, mais especificamente do projeto ‘Dream Teens’. O projeto ‘Dream Teens’ teve como modelo a promoção da participação social nos jovens, numa rede nacional, no qual se identificaram as suas necessidades e também estratégias para a ação em seis grandes áreas temáticas: recursos pessoais e bem-estar; amor e sexualidade; suporte social; consumos e dependências; estilos de vida e atividade física; e também, cidadania e participação social. Com o ‘Dream Teens’ envolvemos jovens com idades a partir dos 11 anos, e percebemos que nestas idades ainda não estão preparados para participar, as suas competências de participação ainda não foram desenvolvidas. Como poderemos querer que sejam socialmente participativos e ativos, se não estão preparados para tal? Então pensámos em começar este trabalho com os mais pequenos mas, como vínhamos de uma pandemia, não eram só as competências de participação social na infância e a cidadania ativa que necessitavam de incentivo. As suas competências socioemocionais e a flexibilidade psicológica, eram fundamentais na sua preparação para a participação, sendo que numa primeira fase, teríamos de partir do Eu – do intrínseco – para depois partir para o mundo, onde se integra a participação social e a cidadania ativa.

O ‘Dream Teens’ acabou então por dar continuidade a outros projetos como o ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’. Apoiado através da iniciativa Reconstruir Melhor da Fundação Calouste Gulbenkian, este projeto visa promover a participação social na infância através do diálogo intergeracional mas também promover a flexibilidade psicológica destas crianças; porque não conseguimos ter crianças e jovens socialmente participativos nem ativos se não tivermos crianças e jovens flexíveis, existe sempre esta necessidade. Este complemento, permite-nos também apoiar a saúde psicológica e o bem-estar das crianças mais pequenas, tão fragilizadas durante a pandemia.

De que forma o desenho deste projeto responde à promoção de um aumento da participação social e do diálogo intergeracional enquanto incentiva o desenvolvimento socioemocional das crianças?

Quando falamos em participação dizemos que os jovens querem participar mas não são participativos porque ainda não têm competências, mas na verdade, nós adultos já temos competências, mas quando as oportunidades surgem muitas vezes não participamos, o que é estranho… Porque é que não participamos quando temos oportunidade? Muitas vezes porque estamos assoberbados de trabalho ou porque simplesmente não sabemos como participar, daí querermos começar a incentivar este trabalho desde idades mais precoces, mas acredito que este é um trabalho ao longo da vida.

O projeto-piloto ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’ foi dirigido a crianças de 5 e 6 anos – pré-escolar e primeiro ano do 1.º ciclo do ensino básico – e foi implementado de norte a sul do país, em nove instituições parceiras.

Através de 12 semanas, as crianças tiveram a oportunidade de se conhecerem a si mesmas, portanto trabalhar a sua flexibilidade psicológica, e depois partir para os amigos, para a família, para a sua rua e vizinhança, para a comunidade, para o país e para o mundo. Cada sessão começa com uma atividade de diminuição dos níveis de ativação, com o contato com o momento presente, seguindo-se a leitura da história que dá o mote para as atividades do programa. Cada sessão apresenta quatro a cinco propostas de atividades a serem desenvolvidas, tendo os docentes total flexibilidade para implementar a(s) que considerarem mais adequadas e adaptadas ao grupo. Não precisa de ser um programa sequencial, fechado e repetitivo, existe flexibilidade e adaptabilidade.

Este trabalho foi facilitado pelos docentes, após uma formação inicial que dinamizámos para os capacitar para a aplicação do programa. Sem esta capacitação não teríamos conseguido que o programa chegasse a este número de instituições. Tínhamos uma intervisão semanal com os docentes para levantamento de dúvidas, de necessidades que estivessem a sentir nos contextos, e foi esta relação direta que nos permitiu chegar a mais escolas e com uma metodologia praticamente online.

Enquanto investigadores lemos muito, pesquisamos muito, temos muito conhecimento, mas quem está no terreno conhece as especificidades e as necessidades de outra forma, e foi o que quisemos conhecer antes de construir o manual.

Este foi construído com base num racional teórico, explicando como o programa foi criado, bem como, a génese da equipa Aventura Social, coordenada pela Professora Margarida Gaspar de Matos, e também coordenadora científica do ‘Dream Teens’ e do ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’. Sob a minha coordenação executiva, o ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’, contou com as minhas colegas Dra. Catarina Noronha e Dra. Bárbara Moraes, enquanto investigadores principais, sendo a última ainda a ilustradora do manual. As histórias do manual ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’ partem da vivência de cinco crianças com caraterísticas psicológicas, físicas, culturais e familiares distintas, o Lucas, a Eva, o Artur, a Renata e a Nastya, os quais são desafiados por um papagaio, que lança os desafios a serem trabalhados nas sessões. O manual esteve sempre disponível online durante o projeto-piloto para que os docentes pudessem comentar o que não estava a correr tão bem na implementação das atividades.

Foi este trabalho de co-construção que nos permitiu ter um manual completo, editado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, e lançado no dia 20 de Novembro de 2023.

De que forma garantiram a participação das famílias e da comunidade durante o projeto-piloto?

Em cada sessão eram lançados desafios para casa, por exemplo, ao nível da flexibilidade psicológica, uma das atividades era “se eu fosse uma cor…, se eu fosse uma estação do ano…, se eu fosse um animal” e as famílias eram convidadas a refletir sobre isso com base na criança, para promover o autoconhecimento da criança e incentivar a sua autoestima através do suporte emocional que é a família. Os desafios enviados para casa poderiam passar por entrevistar os avós, os tios, os primos sobre brincadeiras e jogos que tinham quando eram da sua idade e depois trazer estas dinâmicas para a escola.

Também eram convidados a fazer um presente para os vizinhos, apresentar-se, ou fazer um desenho e colocar no prédio ou em algum sítio de passagem, para promover a articulação com a comunidade. Todas estas tarefas eram trabalhadas em casa, portanto existia uma continuidade do trabalho escola-casa/família. As famílias eram convidadas a integrar as atividades, sempre que a escola tivesse essa facilidade, bem como a visitar locais da sua comunidade.

Foi muito giro e interessante, termos tios e avós presentes nos grupos focais de avaliação final para além de pais, a falar sobre o facto de irem buscar as crianças à escola e acabarem por ser desafiados por estas com pedidos de ajuda com as tarefas que tinham para fazer em casa. Desta forma, conseguimos envolver as famílias, a comunidade e aumentar esta articulação que durante a pandemia foi muito afetada. A ligação às famílias e à comunidade foi tão afetada, que este projeto tentou incluir todas estas nuances.

O ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’ teve resultados muito favoráveis, as crianças, os docentes, os profissionais ligados à área da psicologia e também as famílias disseram-nos que tinha sido muito produtivo, que tinha aproximado a comunidade novamente das escolas, ligação que tinha sido muito afetada.

Da experiência com a implementação deste projeto, qual a sua perceção sobre os desafios encontrados?

Um desafio constante, foi a discussão e a co-construção do manual, foi muito difícil ter os docentes nesta co-construção mas o seu contributo no desenvolvimento deste conteúdo e na forma como o pudemos tornar ainda mais eficaz, mais interessante, divertido e rico para as crianças, foi essencial. Conseguimos ter acesso ao que não estava a correr tão bem nos grupos focais, mas quando tínhamos o documento aberto para partilha e co-construção, pouco acontecia, não eram feitas muitas alterações e não eram acrescentados comentários. A solução foi partir para pequenos questionários de recolha de informação sobre a implementação e continuar o trabalho durante os grupos focais.

Este processo de auscultação dos docentes, permitiu-nos aumentar o número de atividades e incentivar o desenvolvimento de mais sessões no âmbito da flexibilidade psicológica, uma necessidade reconhecida pelos docentes que, a par da investigação no âmbito do Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-estar da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, sob coordenação científica da Professora Doutora Margarida Gaspar de Matos, identifica as crianças pós-pandemia como mais irrequietas, com maiores dificuldades de adaptação e também de comportamento ajustado. Como a maior parte das instituições tinha turmas mistas, com crianças dos 3 aos 5 anos, houve a necessidade de adaptação das atividades por parte dos docentes. Atualmente, as atividades estão identificadas com níveis de dificuldade, o que permite que o programa e as atividades sejam implementadas com os mais pequenos desde os 3 anos, até ao 4.º ano do 1.º ciclo do ensino básico.

Os desafios com as famílias e com a comunidade foram sentidos principalmente pelos docentes. Houve uma relação docentes-famílias muito difícil durante a pandemia, houve uma entrada das famílias nas casas dos docentes, e a saída tem estado a ser gradual e não muito fácil. Depois percebemos também que a participação na escola não acontece…

Os pais foram afastados da participação na escola mas será que eram assim tão participativos?! Os pais queixam-se das dificuldades na relação com a escola mas quando têm oportunidade de participar será que intervêm?!

As greves dos docentes foram também um grande desafio, na minha opinião, foi a grande dificuldade, porque tivemos algumas escolas que não conseguiram participar em pleno devido à duração pouco extensa do projeto. Esta iniciativa tinha uma previsão de um ano, no qual tivemos que levantar as necessidades, construir o manual, as escolas tiveram que implementar as sessões, e ainda desenvolvemos um pré e pós-teste, o que foi muito exigente e difícil e acabou por dificultar o nosso trabalho. Conseguimos cumprir, mas os docentes acabaram por partilhar que foi muito difícil neste timing e temos plena consciência disso.

Quais os próximos passos do projeto e de que forma é que as escolas podem usufruir do mesmo?

O manual vai estar disponível e será entregue a todos os docentes que estiveram connosco, e vão poder implementá-lo com flexibilidade. Este manual estará disponível em formato e-book, para qualquer pessoa que o queira adquirir.

A equipa Aventura Social conta dar algum apoio na implementação do projeto, claro que não conseguimos dar o apoio que estivemos a dar nesta fase, porque foi uma capacitação financeira que nos permitiu estar alocados somente a este projeto, mas queremos que continue a ser implementado, e já temos um trabalho em curso para estender o ‘Learn to Fly | Aprende a Voar’ ao 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e mais tarde ao secundário, e assim continuar o incentivo da participação social através do diálogo intergeracional, e também conseguirmos incentivar a flexibilidade psicológica e competências socioemocionais nos jovens.

Sabemos que o 3.º ciclo vai tendo programas, o 2.º ciclo não tem tantos, e o secundário muito menos, por isso este trabalho tem que ser contínuo.

Se queremos a mudança, não podemos estar continuamente a fazer iniciativas esporádicas, e a formação de docentes pretende isso mesmo. Queremos que este trabalho possa ter continuidade através de outros docentes porque necessita de um acompanhamento contínuo ao longo do processo de desenvolvimento das crianças e jovens.

Temos neste momento em curso o trabalho de acreditação desta formação para psicólogos, através da Ordem dos Psicólogos Portugueses, que não estavam contemplados inicialmente, mas como tivemos um envolvimento muito grande de psicólogos escolares no projeto, devido às dificuldades reportadas pelos docentes nas primeiras sessões de promoção da flexibilidade psicológica, acabámos por incluí-los neste próximo passo. A acreditação para os docentes está também contemplada porque faz todo o sentido, e sabemos que essa componente é um reforço e uma mais-valia para que os docentes adiram à implementação do programa.

Saiba mais sobre o projeto ‘Learn to Fly | Aprende a voar’ e a equipa Aventura Social!

Veja também:

Siga-nos
© 2024 Associação Sem Fins Lucrativos Kokoro