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Literacia para a Floresta – Sensibilização, Educação e Formação Ambiental

“Na LPN temos o conceito de levar as pessoas para o meio, dar-lhes a conhecer a realidade natural.”

Ana Sofia Ribeiro é licenciada em engenharia do ambiente, trabalha na Liga para a Protecção da Natureza (LPN) desde 2006 e neste momento coordena o Departamento de Sensibilização, Educação e Formação Ambiental.

Como surgiu a ideia de criar o projeto Literacia para a Floresta?

O projeto Literacia para a Floresta existe desde 2020. Foi criado através de um desafio lançado por uma empresa, neste caso, o Pingo Doce. O Pingo Doce colaborou com a LPN – Liga para a Protecção da Natureza, numa campanha chamada “Bando do Bosque”, que tinha peluches e um livro em que parte das vendas revertia para a criação de um projeto de educação ambiental sobre as florestas. Este apoio serviu de impulso para criar este projeto de educação ambiental, algo que já tentávamos fazer há algum tempo. Na LPN já trabalhávamos muito sobre este tema mas sempre em situações pontuais quando éramos solicitados para o fazer por algumas escolas e vimos aqui a oportunidade de criar um projeto mais sustentado e de âmbito nacional.

No ano letivo de 2020/2021, montamos este projeto e na altura desafiámos alguns municípios a participarem. Cerca de onze municípios aderiram e cada um ficou responsável por escolher quatro turmas onde o projeto seria testado. O projeto está assente em duas componentes, uma mais teórica e outra mais prática, sendo que a componente teórica acaba por abordar os conceitos mais básicos da floresta e a biodiversidade e a componente mais prática consiste em levar os alunos para o meio florestal, onde exploram a área florestal, normalmente no seu município e tentam aplicar o que aprenderam. É um projeto que capacita os alunos não só com informação sobre estes conceitos mas com o fornecimento de ferramentas para que possam explorar estas áreas florestais da melhor forma. Constatamos que há muitos alunos que já conhecem e frequentam áreas florestais, mas nunca olharam com olhos de ver como depois desta intervenção.

Após este projeto piloto em 2020/2021, nos anos seguintes, transformamos e alargamos o projeto para âmbito nacional e a partir daí, já sem este apoio de impulso inicial, mantemos o projeto atendendo ao feedback positivo que tivemos dos alunos, professores e autarquias. Apresentamos o projeto aos municípios e são estes que acabam por validar ou não a implementação do projeto nos seus agrupamentos de escolas.

De que forma o desenho deste projeto de educação ambiental responde à necessidade da promoção da literacia para a floresta em Portugal?

Existem várias informações disponíveis sobre a floresta, o tema é abordado nas escolas mas mesmo assim, em termos de literacia para a floresta, os valores estão muito aquém do que seria expectável. Dá a impressão que alunos, professores e comunidade em geral estão muito afastados da realidade florestal, apesar de alguns viverem próximos. Parece que a floresta é um sítio distante e que só nos apercebemos dela quando há incêndios. Nas abordagens que mantemos com escolas e com o público, percebemos que havia esta necessidade de mostrar que a floresta está presente no dia-a-dia e não só no verão. Parece que quando se começa a falar sobre os incêndios florestais é que as pessoas se apercebem da realidade florestal. Esta necessidade de literacia, de educar e de capacitar os alunos para o que é a floresta, como está presente no nosso dia-a-dia, levou a que este projeto tenha este intuito de aproximar, de consciencializar e trazer para a discussão quotidiana a realidade florestal.

Ao longo do projeto, os alunos são desafiados a perceberem como é que, no dia-a-dia, estamos dependentes da floresta ou quais as nossas ações que acabam por ter um impacto direto na floresta. Acreditamos que este projeto acaba por melhorar a literacia da floresta, que consideramos que continua muito aquém. Em 2023, tivemos a possibilidade de ter um estágio no âmbito de um mestrado, acompanhando o projeto e compilando informação através de um inquérito final, cujo resultado mostrou qual era a realidade antes e depois da implementação do projeto e o conhecimento que os alunos tinham relativamente à floresta, estando numa área mais rural ou mais urbana, é muito idêntico.

Poderíamos ter a noção de que as pessoas que habitam num concelho mais rural poderiam ter uma consciência diferente, mas a realidade é que o conceito lato de floresta, de ecossistema e dos seus serviços não é conhecido, por isso tentamos trabalhar esta realidade e mostrar como é que a floresta está presente e quais são os benefícios e os serviços que a própria floresta nos presta e os cuidados que devemos ter com ela.

Qual tem sido o feedback obtido por parte dos alunos e dos professores?

O feedback tem sido muito positivo, o projeto tem continuado e neste momento temos sentido que está numa fase exponencial. Arrancámos com o projeto piloto e mantivemos logo no ano seguinte o interesse de alguns municípios que tinham integrado a fase piloto, gostaram e quiseram manter a participação. Neste ano, que já vamos na quarta edição, temos municípios que participam desde o primeiro ano. Muitos municípios estão sensibilizados para a necessidade de falar sobre o tema da floresta e de dar a conhecer a realidade florestal no município.

Relativamente aos alunos e aos professores, o feedback é muito positivo. Apesar disso, o projeto tem sofrido algumas alterações ao longo de cada ano letivo, há aspetos que fomos limando mas o essencial mantém-se. O projeto, que sendo de âmbito nacional, estava muito baseado em sessões online, porque começámos na altura da pandemia, foi alterado para uma realidade mista e neste momento temos uma componente importante à distância mas mantemos sempre a componente prática de visita a áreas florestais. Este ano o projeto está ligeiramente diferente, pois temos formação específica para os professores, trabalhamos em ferramentas para que os professores sejam os nossos ajudantes na passagem da informação. Disponibilizamos todos os recursos e ferramentas, deixamos de capacitar apenas os alunos e passamos a capacitar também os professores. O feedback para já tem sido muito positivo, o ponto alto é normalmente o das saídas de campo que são feitas às áreas florestais.
No final do projeto, temos sempre um encontro municipal online, em que juntamos todos os alunos, todos os professores, as autarquias a fazer um balanço do projeto e é muito bom ouvir a satisfação, que é unânime, dos vários tipos de atores. Relativamente aos alunos, é muito gratificante ouvi-los falar tão bem de uma área, que se calhar conheciam, mas não daquela forma. Às vezes os professores dizem – “agora arranjaram-me o cabo dos trabalhos porque vamos ter que manter esta atividade das saídas aos locais, porque os alunos querem adotar aquela área e vamos ter que fazer algumas aulas lá”; é muito bom ouvirmos este retorno.

Quanto à restante comunidade educativa este ano vamos tentar perceber o feedback, porque o projeto tem estado muito fechado às turmas participantes e, a partir de agora, vamos ter a possibilidade de ouvir as restantes turmas que não estão diretamente envolvidas no projeto mas que acabam também por ficar a conhecê-lo.

Da experiência com a implementação do projeto, qual a sua perceção sobre os desafios encontrados?

O projeto tem sofrido algumas alterações, inicialmente estava muito assente em sessões online e infelizmente a realidade nacional é que nem todas as escolas estão preparadas a nível informático, às vezes a internet não funcionava como deve ser, ou os equipamentos não estavam a funcionar e isso criava muitos entraves na passagem da informação. Tivemos de arranjar algumas formas de ultrapassar estas dificuldades, o projeto teve a necessidade de se reajustar. Outro desafio que normalmente sentimos é nas saídas de campo, aspetos como a gestão dos autocarros e toda a logística envolvida são muitas vezes vistos como obstáculos mas acabaram por nos levar a um caminho muito interessante, pois quando não havia autocarro aconselhámos as escolas a adotarem áreas florestais mais próximas para que se pudessem deslocar a pé até esses locais. Isto acabou por abrir os horizontes da escola, que estava muito fechada em si, e que acabou por se abrir à realidade local e neste caso às áreas florestais envolventes e facilmente as aulas podem ser dinamizadas nesses espaços, há professores que aproveitam e saem com os alunos, começam a dar aulas fora da sala de aula.

Um desafio é conseguirmos chegar a um maior número de escolas, neste momento estamos muito condicionados aos municípios, porque são quem financia o projeto e nos permite chegar a mais escolas mas acaba por ser limitante porque é o município que escolhe o número de turmas a participar. Há municípios em que facilmente chegamos a todas as turmas, mas há outros em que sentimos um pouco de injustiça na inclusão de uma escola e não de outras.

Quais os próximos passos do projeto e de que forma é que as escolas podem usufruir do mesmo?

Este é um projeto direcionado a turmas do 2º e 3º ciclos, normalmente todos os anos apresentamos o projeto a todos os municípios e depois são estes que nos contactam no sentido de mostrar o seu interesse em implementar o projeto. No passo seguinte, são os municípios que têm o trabalho de fazer a ligação às escolas que têm interesse em participar. Aqui há esta limitação e estamos dependentes da decisão e da orientação do município. A partir daí o trabalho é feito diretamente com as turmas selecionadas, neste momento temos formação de professores, aulas virtuais, uma exposição escolar, três webinars que estão disponíveis a todas as turmas participantes ao longo do ano onde os alunos têm a possibilidade de falar com um especialista convidado na área das florestas, e no final temos as saídas de campo e o encontro final onde fazemos a discussão e reflexão sobre o projeto.

O projeto neste momento tem dois módulos e ao longo destes anos percebemos que havia turmas que já tinham participado anteriormente e que queriam continuar, por isso abrimos a possibilidade do módulo de continuidade. O objetivo é continuar a dar a possibilidade às turmas que já participaram antes de poderem continuar a participar.

Na LPN temos o conceito de levar as pessoas para o meio, dar-lhes a conhecer a realidade natural e a partir daí trabalhar com elas. Não faz sentido falarmos na floresta se os alunos não perceberem o que ela é, como é que está presente no dia-a-dia e como é estar na floresta. É muito interessante esta aproximação dos alunos com a realidade natural, o ponto alto do projeto é sempre a saída de campo, é o que fica mais na memória. O nosso conceito da saída de campo não é ser uma visita guiada, mas de orientar os alunos na exploração, dando ferramentas e capacitando-os, o nosso papel é de facilitação da exploração. Os alunos têm um guião que vão seguindo e preenchendo mas são eles que acabam por explorar, o objetivo é estarem naquele sítio e sentirem, olharem, usarem os vários sentidos para conhecer melhor a área florestal.

Saiba mais sobre o projeto Literacia para a Floresta aqui!

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