“Escolhas vocacionais e profissionais livres de preconceitos.”
Como surgiu a ideia de criar o projeto “Free Choices”?
Inês Gomes: A ideia de criar este projeto surgiu da realidade, em que existe um número minoritário de raparigas em áreas académicas tecnológicas e de rapazes em domínios considerados tradicionalmente femininos, como Educação Básica e o Serviço Social. Esta realidade pode ser observada por diferentes dados científicos, por exemplo, nos dados de 2023 da Pordata para Portugal, a percentagem de raparigas nos cursos superiores referentes a áreas de Engenharias, Indústrias Transformadoras e Construção é de 28% e dos rapazes de 82%. Da mesma forma, nos cursos de Ciências Sociais, os rapazes representam apenas 39,7% e as raparigas 60,3%. Já ao nível da Matemática, Ciências e Informática, os rapazes mais uma vez representam a maioria e as raparigas a minoria, tendo-se verificado uma evolução nos últimos anos no número de raparigas nestas áreas. As raparigas também estão em maioria nas Artes e Humanidades. Se tivermos até em consideração as matrículas no Instituto Politécnico de Setúbal, que é um dos distritos que faz parte do projeto, o mesmo fenómeno acontece, mas mais agravado, em que as raparigas representam 8,3% do número de estudantes dos cursos superiores tecnológicos e os rapazes representam 13% do número total de estudantes dos cursos de ensino básico e áreas sociais. Estes estereótipos de género no domínio vocacional surgem pelo processo de socialização, diferenciado entre rapazes e raparigas, e por várias influências, como os media, as redes sociais, os familiares, amigos e amigas.
As assimetrias de género nas escolhas vocacionais vão determinar que quando os/as jovens entram no mercado de trabalho se reproduz a sua segregação sexual, com consequências inerentes em termos da desigualdade salarial.
É neste sentido que a UMAR defende que é necessário trabalhar nas escolas, especialmente com alunos/as do terceiro ciclo do ensino básico, para desconstruir estereótipos que conduzam a estas escolhas diferenciadas. Foi também neste sentido que surgiu a ideia de criar o projeto Free Choices, que tem o objetivo geral de combater esta segregação sexual nas escolhas educativas e vocacionais, dos e das jovens. Graças ao mecanismo financeiro EEA Grants* foi possível a Portugal, e neste caso à UMAR, candidatar-se com este projeto, na vertente de conciliação e igualdade de género.
De que forma o desenho deste projeto responde à necessidade da prevenção de estereótipos de género e da promoção da igualdade de género?
Inês Gomes: Todo o projeto foi desenhado de forma a responder exatamente às necessidades de prevenção dos estereótipos de género e da promoção da igualdade de género.
A implementação do programa de orientação vocacional em igualdade de género em contexto escolar, com 24 turmas do terceiro ciclo ao longo de, em média, 15 sessões por turma, foi apoiada numa metodologia sistemática, holística, ativa e criativa do projeto, que teve como objetivo promover a participação e o protagonismo de jovens, bem como a sua mudança individual e consequentemente coletiva. A desconstrução de estereótipos de género e a promoção da igualdade de género foram refletidas com recurso a metodologias pedagógicas, tais como freiriana, feminista, de projeto e whole-school. Neste caso, tivemos o cuidado de termos um momento final com os/as jovens através de encontros finais do projeto nos distritos do Porto e Setúbal, em que foram apresentados produtos artísticos criados pelas turmas participantes, de forma a existir uma reflexão sobre todas as temáticas abordadas ao longo das 15 sessões.
Além deste programa de prevenção, o projeto foi desenhado para desenvolver várias outras atividades que se complementam, como o caso de visitas guiadas com as escolas participantes do projeto, em que realizamos diversas visitas com alunas/os a instituições do ensino superior, empresas, organizações e associações.
Estas visitas tiveram como principal objetivo permitir um maior conhecimento dos/das jovens das diversas áreas profissionais e também potenciar uma maior reflexão acerca da mudança de paradigma de segregação vocacional e profissional com base no género em Portugal.
Tivemos também uma atividade de Role Model Program, um programa de mentoria jovem que teve como objetivo apresentar mentores e mentoras inspiradores e inspiradoras, que possuem aqui um papel determinante para a mudança de paradigma de segregação nas escolhas vocacionais e profissionais.
Para as jovens e os jovens beneficiários do projeto, esta atividade teve como missão promover e capacitar estes jovens a fazer escolhas livres de estereótipos de género.
Além disso, também foram realizadas quatro edições de formação de técnicos/as de educação sobre prevenção de estereótipos de género nas escolhas vocacionais e profissionais em contexto escolar, com o objetivo de promover a prevenção dos estereótipos de género nas escolhas vocacionais e profissionais das crianças e dos/das jovens em contexto escolar, o que permitiu a partilha de conhecimentos e reflexões pela comunidade escolar.
Finalmente, divulgamos os dados do estudo exploratório sobre estereótipos de género, escolhas profissionais dos/das jovens, que foi elaborado em parceria com o Centro Interdisciplinar de Estudos de Género.
Desde o desenho do projeto e durante a sua implementação, também envolvemos a parceria internacional e criámos atividades como Round Tables e um Seminário Internacional, que permitiram várias reflexões e partilhas entre Portugal e os países que fazem parte do EEA Grants, principalmente com a Finlândia e a Islândia.
Como canais de comunicação com o público-alvo, criámos redes sociais muito utilizadas por este, como o TikTok ou Instagram, e recursos como o Podcast Free Choices e as Lives no Instagram, que deram a conhecer profissionais, que por meio das suas escolhas vocacionais e profissionais podem potenciar a mudança de paradigma de segregação vocacional e profissional com base no género em Portugal. Sempre, numa linguagem acessível ao público-alvo e tentando criar conteúdo atrativo, de forma a assegurar uma comunicação baseada numa linguagem clara e adequada à idade.
Qual tem sido o feedback obtido por parte dos alunos e dos professores?
Manuela Gomes Pereira: Em relação ao feedback, tanto da parte dos/das alunos/as, como também dos/das docentes, tem sido incrivelmente positivo, o que nos enche de satisfação. Durante o projeto realizámos uma avaliação quantitativa e qualitativa abrangente, envolvendo tanto as escolas como os/as participantes, que nos permitiu identificar com precisão os pontos fortes do projeto e do trabalho desenvolvido ao longo destes 18 meses.
Ficamos felizes ao constatar que os/as jovens destacaram a metodologia pedagógica utilizada, as dinâmicas pedagógicas utilizadas e também o espaço seguro para refletir sobre as questões ligadas aos estereótipos de género. Da nossa parte sentimos que a escola reconheceu que o projeto foi uma mais-valia. Este reconhecimento foi extremamente valioso para nós, porque mostra que conseguimos atingir o nosso objetivo de contribuir para um desenvolvimento da habilidade crítica e da formação de cidadãos/ãs ativos/as. Além disso, gostaríamos de partilhar uma observação que é notável, o aumento da autoestima e da confiança dos/das participantes ao longo do projeto. Os/as jovens tornaram-se mais conscientes da questão de género e adotaram uma atitude mais respeitadora e mais compreensiva em relação à diferença existente entre as turmas. Um aspeto que merece destaque é a interação entre os/as alunas com as técnicas do projeto, ficamos impressionadas como essa interação criou um ambiente de aprendizagem colaborativo e enriquecedor, onde todos/as se sentiam confortáveis para expressar a sua opinião, respeitando também o espaço do outro.
O tempo de implementação do Free Choices, de 18 meses, traduziu-se na implementação em dois anos letivos, o que possibilitou a criação deste laço com os/as participantes, as escolas e a equipa técnica do projeto.
Da experiência com a implementação do projeto “Free Choices”, qual a Vossa perceção sobre os desafios encontrados?
Manuela Gomes Pereira: São muitos, claro, mas o principal desafio que enfrentamos é sem sombra de dúvida a implementação nas escolas. Reconhecemos que a desconstrução do estereótipo não é um processo linear, exige uma intervenção e uma reflexão contínua com os/as jovens na medida que nos possibilita alcançar uma sociedade mais justa, igualitária, pela qual todos e todas lutamos. Além disso, destacamos a necessidade de recursos humanos adequados, tanto financeira como a nível operacional, para garantir o sucesso e continuidade do projeto.
Enfrentamos também desafios na resistência cultural e social, pela diversidade das turmas, e essa resistência cultural e das mudanças sociais dificulta a aceitação de implementação das propostas do projeto para superar essas barreiras. Consideramos que é essencial criar uma estratégia eficaz de sensibilização e de envolvimento da Comunidade.
Outro desafio prende-se com a participação dos/das encarregados de educação. Reconhecemos a importância do seu envolvimento no processo educacional, de garantir que compreendem o objetivo do projeto e isso requer o estabelecimento de uma comunicação clara e regular, na criação de oportunidades para os/as envolver ativamente. Sabemos que não é uma tarefa nada fácil, depende de muitos outros fatores, mas acreditamos que assim podemos enfrentar estes desafios, para promover uma educação mais inclusiva e transformadora.
Quais os próximos passos do projeto e de que forma é que as escolas e outras entidades de ensino podem usufruir dos resultados do mesmo?
Manuela Gomes Pereira: Estamos mesmo a chegar ao fim do projeto mas durante este mês de Abril, o projeto Free Choices, está mais focado na atividade de comunicação, publicidade e divulgação dos resultados alcançados, apostando na disseminação do estudo realizado durante o projeto. Estes 18 meses de implementação do projeto resultaram num instrumento que pode ser utilizado pelas escolas, como por outras entidades de ensino: a campanha “Os estereótipos não fazem o meu género”; o manual de boas práticas no âmbito da prevenção dos estereótipos nas escolhas vocacionais e profissionais dos/das jovens; e, a infografia resultante do estudo realizado sobre as perceções e opiniões dos/das jovens sobre atributos pessoais e escolhas vocacionais e profissionais de homens e mulheres.
Estes detalhes serão divulgados no Instagram do projeto e já estão disponíveis no website para todas as pessoas poderem ter acesso. Além disso, temos o podcast Free Choices, o último episódio foi divulgado no mês de Março e focou-se mais diretamente nos principais resultados alcançados. Os treze restantes episódios contaram com a participação dos profissionais que desempenharam um papel determinante na desconstrução dos estereótipos relacionados com as suas profissões. Todos os recursos estão disponíveis e todos/todas podem utilizá-los em diferentes contextos para trabalhar estas temáticas.
Em relação à sustentabilidade do projeto, é importante destacar o envolvimento dos profissionais educativos que participaram em quatro ações de formação que consideramos uma parte importante, para que possam dar continuidade às atividades quando o projeto terminar. É um compromisso para contribuir para a continuidade das iniciativas promovidas pelo projeto.
Saiba mais sobre a UMAR e o projeto Free Choices aqui!
*Através do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega são parceiros no mercado interno com os Estados-Membros da União Europeia. Como forma de promover um contínuo e equilibrado reforço das relações económicas e comerciais, as partes do Acordo do EEE estabeleceram um Mecanismo Financeiro plurianual, conhecido como EEA Grants.
Os EEA Grants têm como objetivos reduzir as disparidades sociais e económicas na Europa e reforçar as relações bilaterais entre estes três países e os países beneficiários. Para o período 2014-2021, foi acordada uma contribuição total de 2,8 mil milhões de euros para 15 países beneficiários. Portugal beneficia de uma verba de 102,7 milhões de euros. Saiba mais em eeagrants.gov.pt