“Sublinho estas duas palavras – intencionalidade e experiência – sempre na educação e na escola.”
Como surgiu a ideia de criar o projeto ‘Público na Escola’?
O ‘Público na Escola’ está inscrito no ADN do Jornal Público, surgindo ainda antes da primeira edição do jornal em 1990. Partiu sempre da vontade de quem estava no jornal, de aproximar e levar o mundo da informação à escola e de trabalhar em conjunto tentando perceber as suas realidades. As pessoas que estavam à frente do projeto na sua génese, estavam ligadas tanto ao jornalismo como à educação para os media; estamos a falar de pessoas muito atentas e com vasto conhecimento do que se passava já noutros países, e que fizeram esta aproximação ao jornalismo e à educação.
Começou com um boletim impresso através do qual as escolas se inscreviam, normalmente temático, com sugestões de atividades e com várias notícias de escolas. Uma outra iniciativa lançada foi o concurso de jornais escolares pretendendo valorizar, dar visibilidade e incentivar os jornais escolares. Teve imenso sucesso, havia muitos jornais escolares na altura e o Público era o único jornal com uma iniciativa do género no país, e assim se mantém. Depois houve um interregno durante alguns anos, por razões várias. Em 2019, a direção do jornal decidiu voltar a ele, até porque o diretor Manuel Carvalho, com formação de professor, sempre acreditou neste projeto e quis avançar com condições para o fazer: com duas pessoas, a jornalista, e também coordenadora do projeto, Bárbara Simões com muita experiência na área da educação, e eu, como professora com formação específica na área de educação para os media. Ter a representatividade, o envolvimento de alguém do mundo da educação e de alguém do mundo do jornalismo, sensível às questões da educação, é uma das mais-valias do nosso projeto.
Tínhamos um excelente suporte, o Jornal Público, e a noção de que poderíamos dar visibilidade e trabalhar de forma articulada com os outros projetos que já existiam e que se aproximavam dos nossos objetivos. Foi isso que fizemos, é evidente que durante o interregno do projeto muitas coisas mudaram, a uma velocidade alucinante, desde logo o protagonismo do digital. A nossa forma de comunicar deixou de ser o boletim e passou a ser através de um website e também das redes sociais, que neste momento são os canais de comunicação privilegiados.
Os objetivos maiores continuam, como levar mais jornalismo e a atualidade para as escolas, divulgar o que se passa nas escolas e fornecer ferramentas para lidar com este mundo da informação; no fundo ajudar a fazer escolhas, a estar melhor informado e promover a leitura.
A forma de chegar aos objetivos foi alterada porque veio uma pandemia, e tudo o que tínhamos pensado em termos de proximidade, tanto de nos deslocarmos às escolas, como as escolas se deslocarem à redação, ficou inviabilizado. Tivemos de arranjar formas alternativas de o fazer, mas foi um período importante porque, curiosamente, as escolas estando no ensino a distância, tinham necessidade de fazer algo e então nasceram vários jornais durante a pandemia.
De que forma o desenho deste projeto responde à necessidade de promoção da literacia mediática em Portugal?
Voltando aos dois pilares fundamentais onde assenta o nosso projeto, desde logo continuar a incentivar e a apoiar o jornalismo escolar, e por outro lado levar a atualidade para a sala de aula. Disponibilizamos planos de aula estruturados, que têm sempre como ponto de partida um conteúdo do Jornal Público. A partir deste conteúdo são propostas atividades, incluídas num plano de aula sequencial, concebidos numa lógica de projeto, que é a forma como entendo que a escola deve funcionar; é chamada uma disciplina principal, mas há sempre três ou quatro disciplinas que também interagem com essas atividades.
A nossa aposta nos jornais escolares é porque acreditamos que é a fazer que se aprende, nós não pretendemos conquistar alunos para serem jornalistas, não é isto, se bem que alguns pelo caminho ficam com o “bichinho”. Quando dizemos que queremos levar mais jornalismo às escolas e pôr os alunos a fazerem jornais escolares, é porque acreditamos que é assim que vão perceber como funciona o mundo da informação no seu sentido mais lato e que os vamos preparar melhor para lidar com a desinformação e com as fake news.
O nosso principal objetivo é que os alunos estejam envolvidos em todas as opções desde a génese do jornal, a escolha do nome, às questões editoriais, que haja uma verdadeira intencionalidade e experiência.
Há jornais escolares que são muito institucionais, com o objetivo de “promover” a escola, o que não tem mal se não for só isso, e também se percebe que muitos dos trabalhos dos alunos que constam dos jornais não foram feitos com a intencionalidade de irem para o jornal, foram trabalhos realizados nas diferentes disciplinas e que como estavam bons são aproveitados para publicar, o que também não tem mal nenhum divulgar boas práticas; mas não é só isto que nós queremos. É completamente diferente fazer um trabalho que foi decidido por uma equipa redatora onde o aluno está incluído, ou representado, sobre um tema que é do seu interesse e fazê-lo com intencionalidade de ser publicado, consciente do seu público-alvo e do melhor meio para o comunicar.
Este é o nosso grande objetivo, que os jornais sejam feitos com alunos, e os professores estejam lá para orientar, supervisionar, e acima de tudo para mostrar caminhos, que é o mais difícil nas múltiplas possibilidades que hoje se tem.
É fundamental os alunos perceberem que o jornalismo é isso, passa por opções – porquê escolher uma determinada capa do jornal, porquê escolher uns assuntos em detrimento de outros -, há questões editoriais, e conhecer esta lógica ajuda a perceber o que se passa no mundo da informação. Depois, tudo o que os alunos fazem no decorrer de uma pesquisa, respeitar o direito de autor, creditar fotografias, saber citar fontes e cruzar informação, é todo este know-how que adquirem e que lhes permite interpretar melhor e saber fazer opções, saber estar bem informado.
Hoje é mais fácil, mas também mais difícil, estar bem informado e portanto mostrar estes caminhos, fomentar a intencionalidade e pôr as mãos na massa são tarefas muito importantes. Aliás, eu sublinho estas duas palavras – intencionalidade e experiência – sempre na educação e na escola.
Da experiência com a implementação do projeto em contexto escolar, qual a sua perceção sobre os desafios encontrados?
Não concebo uma aula em que os alunos não percebam o que é que vão aprender e para que é que o vão fazer, implicar os alunos na concretização dos objetivos e dá-los a conhecer é fundamental. Os planos de aula, são sempre construídos a partir de um conteúdo do Jornal Público e a partir daí são criados com o aluno no centro da descoberta, a descobrir os passos sob orientação do professor e tentar não segmentar os saberes.
Continuo a não entender, e penso que isto é um grande problema do ensino, dos tantos que agora estão na agenda, a escola segmentar-se, criarem-se fronteiras que não existem na realidade e que hoje não fazem qualquer sentido.
Tenho mais perguntas que respostas sobre como a educação e o ensino deveriam ser, mas não é certamente este o caminho, que no fundo é um caminho que não muda muito do que era feito no século passado, mudam as ferramentas mas a transmissão de saber não muda na essência, não muda por muitos motivos, logo pela forma como o ensino está estruturado e organizado em disciplinas, a avaliação, os exames, tudo isto são questões que não ajudam.
Eu gostava de ver a educação para os media trabalhada como algo transversal mas percebo que com currículos tão extensos e timings apertados é difícil, penso que era esse o caminho, haver mais articulação, mais trabalho de equipa, trabalhando de forma transversal e em todas as disciplinas.
Os professores vivem sufocados pelo tempo que têm para “dar matéria”, eu não suporto esta expressão, mas é a realidade, as pessoas vivem angustiadas por não terem tempo. As pessoas querem participar mas já não aguentam mais coisas, é isto que se vive na escola, é este stress, este desgaste, com o qual os professores não estão a saber lidar. Essa é a perceção que eu tinha e que confirmo agora. É difícil fazer um jornal escolar no contexto atual, é difícil ter professores com horários disponíveis para desenvolver este tipo de projetos, ou então não o conseguem conceber ou arranjar formas de o divulgar dentro daquela estrutura fechada que ainda é a escola. E da parte dos alunos também é muito difícil terem disponibilidade, têm horários muito sobrecarregados, depois ainda têm outras atividades; temos sempre alunos interessados em participar, mas conseguir chegar a muitos é difícil. Haveria muitos fatores que poderíamos elencar para que isto aconteça mas penso que é uma visão da educação, desde as questões burocráticas à questão da avaliação, há um entendimento do que tem de ser a escola hoje em dia, conseguimos todos identificar o que está mal, ter a perceção de que não estamos a responder mas não conseguimos ainda fazer esta reflexão mais profunda.
Nunca houve tantos projetos incríveis a chegarem à escola, e pensando na minha experiência enquanto professora, era difícil escolher, era difícil estar informada sobre tudo o que acontecia. No ‘Público na Escola’ tentamos sempre acompanhar o que se vai publicando em termos académicos, estamos próximos da Universidade do Minho e da Universidade Lusófona, estamos em alguns projetos de investigação destas universidades.
Um deles, o projeto BYou que está a ser desenvolvido pela Sara Pereira da Universidade do Minho, pretende dar voz às crianças promovendo a sua participação e inclui consultores ligados à educação, como nós ‘Público na Escola’, que expressam uma dificuldade comum – divulgar as coisas dos alunos, a questão da proteção de dados, neste momento está a ser um entrave a um dos direitos fundamentais da criança que é expressar-se e ser ouvida.
Sentimos muito essa dificuldade, precisamos sempre de inúmeras autorizações para captar imagens ou divulgar um texto e isso é uma limitação para quem trabalha com alunos.
Do contato que vai tendo com professores e alunos, que feedback recebe da participação no projeto ‘Público na Escola’?
Relativamente aos recursos para sala de aula não possuo dados concretos que permitam essa avaliação. Agora dos jornais escolares e das formações que vamos fazendo temos feedback positivo. Por exemplo, numa formação que desenvolvemos no âmbito do Plano Nacional das Artes, “O jornal como recurso pedagógico”, a aceitação das pessoas foi excelente, penso que gostaram muito da questão prática e da forma como os conteúdos foram abordados.
Quanto aos jornais escolares, notamos que há muitas escolas interessadas em fazer o jornal nesta lógica de implicar os alunos, é muito curioso porque cada vez temos mais jornais em que são os alunos a inscreverem-se, alunos diretores do jornal da escola. Temos algo que foi feito no ano passado por iniciativa de um desses jornais: estes alunos ganharam um prémio e na cerimónia de entrega dos prémios, onde estava o Ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, lançaram o repto que queriam fazer um encontro de jornais escolares na sua escola; tiveram logo o sim da parte do diretor do Público e do Ministro, e organizaram, com a nossa ajuda e da Direção Geral, o I Encontro de Jornais Escolares, com workshops com jornalistas do Público. Nos jornais que surgiram este ano, alguns falavam dessa experiência, da partilha informal com outros alunos que tinham jornais, o que é um aspeto muito positivo.
Cruzamo-nos com professores, que por carolice, completamente fora dos tempos letivos, meteram-se nisto e agora têm o “bichinho”. Quando candidatam um jornal têm de escrever um texto curto de enquadramento, onde expressam aspetos fortes e dificuldades e nos aspetos fortes referem sempre um grande aumento na motivação para a leitura, para a escrita em alunos com dificuldades de aprendizagem, portanto o feedback a esse nível é muito bom. Se os alunos tiverem essa motivação para fazerem uma coisa que é deles, envolvem-se imenso em todo o processo.
Quais os próximos passos do projeto?
Tentamos ir ao encontro daquilo que vamos percecionando que são as dificuldades da escola.
Fazemos sempre a articulação com o que se vai conhecendo em termos de investigação, vamos articulando com outros projetos com os quais partilhamos objetivos e temos tido parcerias significativas com quem temos desenvolvido projetos e cursos. Um desses exemplos é a parceria com o Plano Nacional das Artes, temos um concurso em conjunto – ‘Vamos Fazer um Plano’ -, que consiste nas escolas fazerem um plano de um jornal, e os 5 melhores trabalhos são aperfeiçoados com a mentoria do Público. Neste processo de mentoria, os alunos deslocam-se à redação e trabalham com os diferentes profissionais do jornal. Temos também dois concursos com a Rede de Bibliotecas Escolares que começaram no ano passado, um de periodicidade mensal – ‘Isto Também é Comigo’ -, que consiste em a partir de um conteúdo do Público escreverem um texto de opinião, e outro – ‘Jornalista em Rede’ – que incentiva a realização de reportagens e entrevistas, que normalmente são géneros jornalísticos mais difíceis para os alunos. Temos também uma parceria com a Casa das Ciências – ‘Ciência na Escola’ – que visa promover a literacia científica, através da proposta de atividades para sala de aula e de explicações de temáticas científicas que fazem a atualidade. Semanalmente, propomos algo mais lúdico: palavras cruzadas criadas pelo cruciverbalista Paulo Freixinho com temáticas relacionadas com a atualidade.
Agora retomamos as visitas à redação, que são sempre importantes para as escolas.
Em termos de formação de professores, desde o início que é uma aposta nossa. Estamos neste momento a desenvolver alguns esforços, e penso que vai ser viável, para chegar à formação inicial de professores que era uma das coisas que queríamos desde o início do projeto, é algo em que se devia pensar mais. Queremos mostrar aos professores em formação como é que se pode trabalhar esta questão da educação para os media, como é que se pode cruzar com o Público, como é que se pode trabalhar numa lógica de projeto, sensibilizá-los para esta temática.
Fenómenos como a eleição de Trump, do Bolsonaro, o Brexit, a proliferação de movimentos extremistas, vieram consciencializar mais os agentes sociais e políticos para a urgência de trabalhar nesta área, é mais difícil estar informado agora, a tendência é estar informado através das redes, a maior parte dos alunos nunca contactou com um jornal.
Acho que já toda a gente percebeu a urgência de trabalhar as múltiplas literacias, ainda agora acabei de ver que Portugal vai participar pela primeira vez num estudo da OCDE semelhante ao PISA mas para idades superiores, que vai avaliar as literacias dos adultos em várias áreas, a leitura, a escrita, os números, mas também as literacias digitais e penso que este estudo vai ser importante para fornecer indicadores sobre outros fatores que influenciam as literacias para além das académicas, vamos ter alguns dados importantes sobre os quais devemos refletir.
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