O projeto MyMachine – da ideia à construção na educação

Competências como comunicação, cooperação, trabalho em equipa e resolução de problemas são desenvolvidas ao longo do processo.

Ana Godinho é licenciada e mestre em Ciências da Educação pela Universidade de Coimbra, e é pós-graduada na área da Liderança pela Nova SBE. Atualmente é Chefe de Divisão da Educação no Município de Óbidos e coordenadora nacional do projeto MyMachine.

Como surgiu a ideia de criar o projeto MyMachine Portugal?

No Município de Óbidos, fazíamos parte de uma equipa multidisciplinar dedicada à criatividade e inovação. No âmbito do programa europeu URBACT, desenvolvíamos o projeto “Territórios Criativos com Baixa Densidade Populacional”, em parceria com Reggio Emilia (Itália) e Kortrijk (Bélgica). Num encontro em Reggio Emilia, apresentámos o nosso trabalho na área da educação. Mais tarde, no evento de encerramento em Óbidos, a cidade de Kortrijk deu-nos a conhecer o MyMachine. Ficámos fascinados com o conceito e manifestámos, de imediato, interesse em implementá-lo.

Na altura, o projeto já estava em funcionamento em Kortrijk e a expandir-se para a Eslovénia. Celebrámos uma parceria para trazer o MyMachine a Portugal. Hoje, é uma rede internacional, presente em países como a África do Sul, México, Quénia, Estados Unidos e vários países europeus.

Em Portugal, iniciámos o projeto em Óbidos. Com o tempo, outros territórios, como Vila Nova de Famalicão, Torres Vedras e Campo Maior, demonstraram interesse. Passámos, assim, a coordenar o MyMachine Portugal, servindo de elo de ligação entre os fundadores do projeto e os territórios que o adotam. Prestamos apoio e garantimos que a metodologia – com as três etapas de ideia, design e construção – é rigorosamente seguida.

De que forma o desenho deste projeto responde à promoção de competências de criatividade e de inovação na educação?

O MyMachine destaca-se pela sua metodologia em três fases – ideia, design e construção – e pela abordagem inovadora que envolve alunos desde o 1.º ciclo até ao ensino superior, promovendo uma colaboração transversal entre níveis de ensino. O planeamento começa com a identificação das escolas e parceiros disponíveis, essenciais para as fases de design e construção.

Imagem fornecida por MyMachine Portugal
Imagem fornecida por MyMachine Portugal

Em Óbidos, a fase da ideia é desenvolvida com turmas do 1.º ciclo do Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos. O design é realizado por estudantes da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. A construção envolve escolas profissionais, empresas ou outras entidades, como o Cenfim – Núcleo das Caldas da Rainha, o Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor, o Parque Tecnológico de Óbidos ou empresas locais, dependendo da solução técnica necessária.

O projeto arranca no início do ano letivo. Estudantes universitários, geralmente de Design de Produto ou Engenharia, visitam as turmas do 1.º ciclo para sessões de brainstorming. As crianças desenham a sua “máquina de sonho” e apresentam as ideias aos colegas, sabendo que apenas uma será escolhida por turma. Este processo estimula a comunicação, criatividade e persuasão. Ideias semelhantes são combinadas, e o ambiente colaborativo garante que as crianças aceitam bem a seleção.

Na fase de design, os universitários transformam os desenhos infantis em projetos técnicos, com medidas, materiais e instruções. Contactam os parceiros da construção para avaliar a viabilidade, o que exige resolução de problemas. Por vezes, é necessário regressar à turma para ajustar ideias, promovendo um diálogo contínuo que reflete o espírito colaborativo do projeto.

As crianças visitam a universidade para escolher o design mais fiel à sua ideia original – e são muito exigentes! Na construção, acompanham o processo, visitam as entidades envolvidas e colocam questões. No final, organizamos uma festa para apresentar e entregar a máquina à turma.

Competências como comunicação, cooperação, trabalho em equipa e resolução de problemas são desenvolvidas ao longo do processo. Além disso, ver uma ideia transformada em realidade é uma experiência marcante. A alegria das crianças ao verem a máquina finalizada é inesquecível.

O projeto MyMachine Portugal envolve a colaboração entre alunos do ensino básico, secundário profissional e universitário. Como é que esta parceria intergeracional funciona na prática?

O maior desafio é a comunicação entre os diferentes níveis de ensino, dado que cada grupo está numa fase distinta do processo. Felizmente, os estudantes universitários beneficiam muito da experiência, quer porque o projeto está integrado no currículo, quer porque recebem créditos académicos. Algumas universidades já reconhecem o valor pedagógico do MyMachine.

Um professor que colaborou connosco dizia que as crianças do 1.º ciclo são os “primeiros clientes” dos universitários. A exigência das crianças ao avaliar as propostas finais simula a interação com um cliente real, o que é uma experiência valiosa. A comunicação exige cuidado, especialmente porque as crianças adoram visitar a universidade e criam laços emocionais com os estudantes mais velhos. Apesar de prazos apertados, a colaboração tem corrido bem, graças a parceiros como o Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor e o Cenfim, que se dedicam à fase de construção. A causa – tornar realidade os sonhos das crianças – motiva todos os envolvidos.

Qual tem sido o feedback obtido por parte dos alunos, dos professores e das escolas onde têm implementado o projeto?

O feedback tem sido muito positivo, o que explica a continuidade do projeto em Óbidos desde 2014. Os pais das crianças também manifestam grande satisfação, especialmente durante as apresentações das máquinas, quando as escolas se transformam em espaços de criatividade e inovação. Este ano, uma exposição mundial do MyMachine na Bélgica destacará o “Capacete dos TPC”, criado em Portugal por volta de 2015. Algumas máquinas, como esta, tornam-se memoráveis. Professores e parceiros reconhecem o papel do projeto no desenvolvimento de competências como comunicação e confiança. Apresentar uma ideia a colegas, professores ou universitários é um desafio que ajuda as crianças a crescer.

Da experiência com a implementação do projeto MyMachine Portugal, qual a Vossa perceção sobre os desafios encontrados?

Houve uma vez em que não conseguimos construir uma máquina, algo que também aconteceu noutros países. O desafio surgiu ao trabalhar com crianças do jardim de infância, inspiradas pelo tema ‘O Principezinho’. Fascinadas pela viagem ao planeta do Principezinho, imaginaram uma máquina que os universitários não conseguiram concretizar plenamente. Criámos uma nave que representava a viagem, mas não correspondia totalmente à ideia original. Este caso ilustra a dificuldade de responder às expectativas das crianças.

As ideias refletem o contexto vivido. Durante a troika, surgiram máquinas para “fazer dinheiro” ou apoiar mães sozinhas. Na pandemia, predominaram máquinas de desinfeção. Recentemente, com foco no bem-estar emocional, apareceram máquinas para “transformar emoções” ou promover amizade e amor. Mesmo ideias simples, como uma máquina de crepes, são enriquecidas com o contexto emocional das crianças, tornando o projeto significativo.

Poderia partilhar algumas histórias ou exemplos de “máquinas de sonho” criadas pelos alunos que ilustram o impacto do projeto MyMachine Portugal?

Sim, criámos o Espaço MyMachine em Óbidos, que serve para complementar o projeto e permitir que outras escolas possam visitar gratuitamente e desenvolver atividades. Essas atividades podem ser adaptadas aos objetivos dos professores, mas também podem ser propostas por nós, sempre com base nos princípios do MyMachine.

Imagem fornecida por MyMachine Portugal
Imagem fornecida por MyMachine Portugal

Neste espaço temos várias máquinas construídas em edições anteriores. Por exemplo, temos a máquina para viajar até à Lua, que é das mais populares entre os visitantes. Temos também um coelho de peluche gigante, idealizado por uma criança do 1.º ano que dizia ter muitas saudades de casa quando chegava à escola. Criou, por isso, um coelho com patas grandes para poder abraçá-lo — e também aos colegas. É outra das máquinas muito requisitadas nas visitas. Há ainda uma máquina para apanhar maçãs, criada por uma criança cujo avô era produtor de fruta. Sendo a nossa região conhecida pela produção de pêra rocha e maçã, o objetivo era ajudar o avô na apanha dos frutos. Outra máquina muito apreciada é a que faz arco-íris, pensada por alunos que queriam ter o arco-íris sempre presente na sala de aula. Temos também uma máquina criada para acalmar os alunos nos intervalos, momentos em que se sentiam muito agitados. Esta máquina oferece estímulos visuais com luzes e objetos para ajudar a relaxar. No ano passado, construímos uma máquina de fazer waffles, porque havia crianças que nunca tinham tido oportunidade de provar um.

Juntamente com o já conhecido “Capacete dos TPC”, temos também o “Capacete das Ideias”. Este tem uma componente eletrónica com palavras sugeridas pelos alunos. Quando precisavam de inspiração para escrever um texto, acionavam uma alavanca e surgia uma palavra, que podia ser usada como ponto de partida.

E estes são apenas alguns exemplos das muitas máquinas criadas ao longo dos anos.

Quais os próximos passos do projeto e de que forma é que as escolas e outras entidades de ensino podem usufruir dos resultados do mesmo?

No ano passado, expandimos o projeto para Torres Vedras e, desde então, outros territórios têm manifestado interesse, pedindo informações com vista a uma possível implementação local.

O Espaço MyMachine tem dado uma resposta importante nesse sentido. Permite-nos receber escolas de qualquer nível de ensino — desde crianças a jovens adultos — e também desenvolver programas para famílias, que decorrem um sábado por mês. Desta forma, conseguimos abranger um público mais diversificado.

Recentemente, começámos a colaborar com a CERCI de Peniche, numa iniciativa que chamamos MyMachine Experience. Foi um grande desafio, pois consiste num conjunto de experiências baseadas na filosofia do projeto, mas com um público com o qual habitualmente não trabalhamos. No caso da CERCI, os participantes já escolheram a máquina que querem construir — e é maravilhoso ver como os desenhos são cheios de cor e criatividade. Tem sido uma verdadeira aprendizagem para nós. A experiência está a ser muito positiva, e gostaríamos de manter este contacto e alargar o projeto a outras instituições semelhantes, porque sabemos que o MyMachine, além de trabalhar competências diversas, desenvolve também o lado emocional, que consideramos essencial.

Para o futuro, os nossos objetivos passam por continuar a expandir o projeto e, graças ao Espaço MyMachine, isso tem sido possível. Ao mesmo tempo, o MyMachine Experience tem-nos desafiado a pensar além da vertente mais tradicional com as escolas, abrindo novas possibilidades e abordagens.

Para mais informações sobre o projeto MyMachine consulte aqui.

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