Sim, somos capazes!

“Baseado naquilo que os jovens querem fazer – quando se aprende porque se quer é muito mais fácil.”

Luís Baião e Sílvia Campos são parte da equipa do projeto ‘Sim, somos capazes’ – um projeto de inovação social para jovens com talentos especiais.

Sara Ferreira participou no projeto e hoje exerce uma profissão, concretizando o seu sonho e mostrando que é capaz.

Como surgiu a ideia de criar o projeto ‘Sim, Somos Capazes’?

Luís Baião: Era professor de educação especial na escola em Canelas desde 2015 e, em 2017, tinha três alunos que iriam acabar a escolaridade obrigatória e iam ficar sem apoio – a história do ‘Sim, Somos Capazes’ começa aqui com um pai que queria algo diferente para o seu filho. Achava que o seu filho tinha mais capacidades, não sendo suficiente a oferta do centro de atividades ocupacionais mas estando aquém para integrar a formação profissional.

Existe um fosso entre estas duas valências, porque se estes jovens não têm capacidades ou competências ou maturidade para ingressar na formação profissional, acabam por cair nos centros de atividades ocupacionais. Muitas vezes as pessoas não querem ir para os centros de atividades ocupacionais e acabam por ficar em casa e perde-se aqui todo um investimento. Também eu, enquanto professor, me questionava: como é que ando a investir durante anos num jovem, sabendo que ele depois vai para casa e vai perder muitas das competências adquiridas?

Nesta escola em Canelas tínhamos um edifício que felizmente não foi intervencionado pela Parque Escolar e apresentámos uma proposta à Direção da escola e o professor e Diretor do Agrupamento Artur Vieira abraçou logo o projeto, deu carta branca e todo o apoio necessário para o projeto avançar. Quando chegamos aqui ao edifício não tínhamos a menor ideia por onde começar, mas vimos uma máquina de vending que existia para apoiar outras atividades do IEFP que decorriam no edifício e associámos ao sonho de um dos jovens que era ser pasteleiro; começámos a servir bolos caseiros, que cada família ia fazendo, servimos uns cafés e com esse dinheiro comprámos material de construção para fazer obras em alguns espaços e algumas salas que estavam devolutas.

Começámos por acolher três jovens e durante três anos desenvolvemos o projeto com voluntários; entretanto recebemos financiamento, através do programa Portugal Inovação Social e da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, o que possibilitou aumentar o número de jovens integrados no projeto, contratar a Sílvia, que está a trabalhar connosco enquanto assistente social, e o projeto foi-se desenvolvendo.

Qual é a metodologia que utilizam no projeto?

Luís Baião: Podia estar aqui a inventar que somos pessoas iluminadas, mas tudo o que fazemos é muito simples. Utilizamos o empoderamento e grande parte do que fazemos é baseado naquilo que os jovens querem fazer – aprender sem verdadeiramente querer é uma coisa complicada, quando se aprende porque se quer é muito mais fácil.

Temos explorado sempre esta questão do sonho dos jovens, o que é que eles querem fazer, mas obviamente que alguns dos jovens ainda não sabem o que querem fazer; por isso, alimentamos o sonho dos jovens que já o têm definido e tentamos que os outros jovens explorem vários cenários e descubram novas oportunidades. Por exemplo, temos jovens que gostam do atendimento ao público, de culinária, de trabalhar na agricultura, na jardinagem, e nós tentamos complementar essas atividades. Neste momento, estamos a explorar estes dois mundos e a tentar conjugá-los, abrindo um restaurante para que os jovens possam plantar, cultivar, transformar e vender ao público.

A metodologia consiste em ir ao encontro daquilo que os jovens aspiram ser e em tentar descobrir o que eles gostam. Depois, trabalhamos a vários níveis, de acordo com a pirâmide que seguimos aqui no ‘Sim, Somos Capazes’: o patamar mais básico da pirâmide é conseguir que os jovens permaneçam aqui, conjugando três tipos de atividades que são as atividades empreendedoras, as atividades de lazer ou desportivas, e todos eles têm 2 a 3 atividades por semana com voluntários ou com projetos que são financiados, como por exemplo, vela, surf, futebol, ténis, natação e defesa pessoal, e as atividades culturais, tendo uma banda que se dedica a musicar poemas de autores portugueses e que também serve como apoio ao grupo de português da escola.

Temos aqui ao lado a Sara, que está a fazer a limpeza da sala e é uma das nossas jovens que tem um emprego. A questão de assegurar um emprego faz parte do segundo patamar da nossa pirâmide.

Sara Ferreira: Queria trabalhar há muito tempo e surgiu porque eu tenho o sonho de trabalhar. Tudo começou com a venda de bolo caseiro e café, juntamos dinheiro e esse dinheiro deu para fazer obras no ‘Sim Café’, deu para construir outras coisas e isto foi bom.

Luís Baião: Entretanto, como estávamos em plena pandemia, explicamos à Sara que não era possível trabalhar na área da restauração, mas tínhamos a possibilidade de fazer uma experiência com ela na área da limpeza e a Sara disse logo que sim. Fizemos um contrato de emprego e inserção com a Sara, ela começou a limpar o edifício e adquiriu as competências aqui, com orientação da Sílvia. Mais tarde, alocámos a Sara numa equipa de assistentes operacionais que faziam a limpeza do edifício e da escola, com o objetivo de a retirar do ambiente protegido do ‘Sim, Somos Capazes’.

Sara Ferreira: Temos que lidar com pessoas mais velhas e diferentes, temos que nos habituar.

Luís Baião: A Sara quis o emprego, tivemos sorte de abrir uma vaga para situações especiais no agrupamento e a Sara ficou colocada.

Sílvia Campos: De 15 em 15 dias, reúno com a Sara para irmos avaliando o ponto de situação, o que é que ela precisa de melhorar, e para desabafar um bocadinho que também às vezes é preciso. Tentamos dar algum apoio e orientação continuada neste processo, que é sempre um processo de aprendizagem contínuo.

O terceiro patamar da pirâmide é dedicado ao empreendedorismo social. Temos várias vertentes em termos de atividades produtivas, como a lavagem de carros, a lavandaria, a produção hortícola, e que podem ser uma criação do próprio emprego. Claro que aqui também tem de haver um apoio familiar e já temos algumas empresas parceiras que também estão dispostas a apoiar os jovens e as famílias que tenham essa ambição. Vamos servindo de alguma forma como uma incubadora, para terem uma primeira experiência do que é um negócio, terem a perceção se é rentável ou não e se tem alguma sustentabilidade, para depois mais tarde poder alargá-lo para outros âmbitos. Para já ainda não temos um caso de sucesso mas algumas famílias sentem-se tentadas a avançar.

Luís Baião: Temos a noção que este é o patamar mais difícil mas isso não nos impede de tentar.

Sílvia Campos: Temos também uma vasta tipologia de jovens com características muito específicas, algumas associadas ao autismo, e em que efetivamente o percurso não será propriamente este. Mas a sua participação em atividades produtivas ajuda a promoverem uma maior autonomia, consciência crítica, sociabilidade, treinando-os para que consigam estar bem e socializar de uma forma mais tranquila. É um desafio grande que o projeto tem pela frente, mas é um desafio como outro qualquer que vamos abraçando nesta filosofia de não querermos fechar as portas a ninguém.

Que outras oportunidades de emprego encontram para os jovens do ‘Sim, Somos Capazes’?

Sílvia Campos: Temos mais dois jovens integrados, já fora do contexto mais protegido, um está num supermercado e outro numa outra empresa na área da restauração. Entretanto, temos mais um jovem a fazer estágio profissional connosco através de uma formação externa que frequenta; quando integrou o projeto ‘Sim, Somos Capazes’ ainda não tinha a maturidade suficiente para frequentar uma formação profissional, mas essa oportunidade surgiu posteriormente e agora está a fazer o estágio profissional connosco e está aqui a reativar o nosso conceito e metodologia. Temos outra jovem que também integra um contrato de emprego e inserção com a Associação Desportiva e Cultural Santa Isabel, desenvolvendo competências e responsabilidades, para mais tarde avaliarmos se realmente estará preparada para integrar no futuro outro mercado de trabalho.

Outros jovens estão felizes aqui connosco, a praticar toda esta panóplia de atividades que também não deixam de ser promotoras de uma inclusão social. A banda é o exemplo disso, é a banda mais inclusiva do mundo em que todos têm direito a um palco e a sentirem-se de alguma forma também motivados e reconhecidos pelo seu trabalho.

Luís Baião: O projeto não exige a ninguém que exerça um trabalho, tal apenas acontece se o jovem e a família se envolver em todo o processo que facilitamos.

Da Vossa experiência com a implementação do projeto, qual a Vossa perceção sobre os desafios encontrados?

Sílvia Campos: O nosso projeto é tudo menos monótono, cada dia é sempre diferente do outro e vamos tendo desafios diferentes.

Luís Baião: O próximo grande desafio é o futuro do próprio projeto. Por exemplo, ao pedirmos o financiamento fomos pouco exigentes em termos de salários e, atualmente, pagamos pouco aos monitores que estão aqui connosco, o que não nos garante a sua retenção. Numa próxima fase de financiamento, temos de garantir estabilidade na equipa.

Sílvia Campos: A sustentabilidade e alguma estabilidade ao nível do projeto é um desafio. Os financiamentos são interessantes, mas são estanques e recorrentemente vamos ter que superar a continuidade do projeto, face aos financiamentos que possam existir. A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia dá-nos essa segurança neste momento, apoiando esta tipologia de projeto e ambicionando que esta seja replicada noutras zonas do próprio município para uma resposta local, de maior proximidade. Esta intenção tem uma série de vantagens porque o jovem pode ir a pé para o projeto, facilitando a sua integração, mas também serve como sensibilização à própria comunidade, a comunidade passa a ter uma perspetiva diferente daquilo que é um jovem com deficiência e o potencial que esse jovem possa vir a ter e o contributo para a sua comunidade.

Luís Baião: Podemos ser um potencial apoio para várias áreas da comunidade, por exemplo o nosso projeto ‘Serra Mágica’ dedica-se a tentar despoluir a serra de Negrelos, em Canelas, e com a ajuda da comunidade estamos a tentar colocar arte na serra e tornar esta mais acessível a cadeiras específicas para transporte em montanha. Grande parte dos projetos que desenvolvemos são direcionados para o apoio à comunidade, há um forte impacto na comunidade.

Temos outro desafio que queremos lançar, a moeda Zero. É uma moeda de economia circular, a primeira moeda assente em valores ambientais e sociais. Vamos passar a pagar aos nossos jovens pelos serviços que prestam, no café, na limpeza dos automóveis, na lavandaria, etc., em Zeros e com estes Zeros podem consumir no restaurante que nos compra com Zeros os nossos produtos hortícolas e no ‘Sim Café’, contribuindo para o trabalho dos próprios colegas.

Que feedback têm recebido dos pais dos vossos jovens?

Luís Baião: Para começar uma grande gratidão e orgulho. Na última reunião que tivemos fizemos um vídeo em equipa, em que dizíamos que todos os pais de jovens com deficiência em algum momento das suas vidas sentiram-se abandonados pela sociedade e nós não queremos fazer o mesmo. Exigimos sempre muito a participação e envolvimento dos pais e temos conseguido, por exemplo, a banda tinha pais a tocar connosco, estamos a criar um livro de receitas eletrónico, acessível a qualquer pessoa, com as receitas de cada família. A partir do momento em que os pais não se envolvam, perdemos a essência do projeto.

Sílvia Campos: O nosso projeto surge da pressão de um pai e depois de todas as primeiras famílias que abraçaram o nosso projeto, confiaram-nos os seus filhos e estiveram sempre ao nosso lado sem sabermos exatamente o caminho para onde íamos. Este feedback deu-nos motivação para continuar, a certeza de que o nosso caminho estava a ser o certo. Fazemos muita questão que esse envolvimento dos pais e da família exista, porque somos um projeto muito aberto e as famílias entram abertamente no nosso projeto, nas atividades, observam o que estamos a fazer a qualquer hora do dia, não há uma limitação física que os impeça de estar connosco. Claro que isso também implica desafios, para lidarmos com os pais, para estes perceberem os limites que têm de ter nesta abertura, tudo isso é uma construção e uma aprendizagem a que as pessoas se vão habituando. Em termos gerais, o feedback é muito positivo e os pais, sempre que solicitamos, tentam envolver-se, há sempre algumas exceções, mas, na maioria dos casos, temos sempre uma participação muito positiva.

Luís Baião: Temos pais a trabalhar connosco todos os dias. Se for numa altura de Natal, em que seja preciso fazer cabazes, temos a cozinha cheia de pais e de amigos dos pais. Fazemos questão que haja essa proximidade e que as portas estejam abertas, não imaginamos o projeto de outra maneira.

Como é que um jovem com necessidades educativas especiais pode integrar o vosso projeto?

Sílvia Campos: Temos duas vertentes, via a escolaridade obrigatória ou a pós-escolaridade, e pode ser referenciado pela comunidade ou pelas escolas que frequenta. Normalmente, fazemos uma primeira entrevista, e avaliamos o impacto no jovem com o primeiro contato com o projeto. Depois faz uma pré-inscrição, onde é questionado acerca dos seus sonhos, bem como sobre questões mais formais. Se considerarmos que o jovem tem perfil para integrar o projeto, poderá experienciar o projeto, seguida de uma segunda avaliação onde o jovem poderá ficar integrado ou não.

A escola acaba por ser a entidade de diagnóstico, porque acompanha o jovem durante o seu percurso educativo. Isto é de uma importância fulcral, porque permitirá integrar os jovens nesta metodologia mais cedo e ajudá-los a enfrentarem os desafios da vida adulta.

Saiba mais sobre o projeto ‘Sim, somos capazes’ aqui.

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