Educação LGBTI – Um projeto da rede ex aequo

“Estamos a falar de direitos humanos e a garantir que criamos espaços seguros dentro das escolas para que os/as alunos/as falem.”

Beatriz Pedroso é estudante de Direito. Faz parte da Rede ex aequo desde 2021 e, desde 2022, integra a equipa de coordenação do Projeto Educação LGBTI e desempenha funções de oradora em escolas.

Como surgiu a ideia de criar o projeto Educação LGBTI?

A rede ex aequo nasce em 2003, curiosamente no âmbito de um programa de Erasmus+ em Budapeste, onde era necessário escrever um projeto e daí nasceu a ideia de criar uma associação que em Portugal quebrasse o isolamento de pessoas LGBTI. Nasce assim a rede ex aequo, com os núcleos e o fórum online. Tendo em conta que estávamos em 2003/04, a abertura a este tema ainda não era muito grande, muitas pessoas apenas usavam o fórum para falar sobre o tema recorrendo a um nome de utilizador e sem se assumirem ou exporem a pessoas da sua esfera pessoal.

Surgiram assim os núcleos, que se mantêm até hoje, como forma de quebrar o isolamento e dar a possibilidade a pessoas LGBTI de se encontrarem, por exemplo uma vez por mês, na sua zona de residência. Temos núcleos em várias zonas do país e também disponíveis online, para garantir que há uma rede de apoio de igual para igual.

Em 2005, nasce o projeto de educação para colmatar as falhas existentes. Sabemos que desde 1984 há a Lei n.º 3/84 que garante o direito à educação sexual, mas que não é aplicada nas escolas e não se fala sobre isso. O projeto de educação nasce para garantir que há pessoas qualificadas para trabalhar o tema nas escolas. Trabalhamos na base de voluntariado, e o nosso voluntariado e ativismo consiste em promover uma educação sexual mais inclusiva nas escolas, dando resposta às falhas por parte principalmente do Estado. A rede ex aequo e o projeto de educação LGBTI nascem com o objetivo de ser de igual para igual, não queríamos seguir o modelo escola em que alguém fala e os/as alunos/as apenas ouvem. Trabalhamos com jovens dos 16 aos 30 anos, garantindo uma relação de proximidade através de um modelo de educação não formal.

De que forma o desenho deste projeto responde à necessidade da promoção de uma educação para a cidadania e para os direitos humanos, em específico na área da orientação sexual e da identidade do género?

É sempre importante ressaltar que nos focamos mais na identidade de género e expressão de género, mas no fundo estamos a falar de direitos humanos e a garantir que criamos espaços seguros dentro das escolas para que os/as alunos/as falem sobre isto, com acesso a informação fidedigna.

Cada vez mais vemos fake news a circular, há coisas que não são verdade, principalmente quando falamos de identidade de género. Por isso, este modelo permite uma partilha de informação fidedigna e que os/as alunos/as possam vir até nós com as dúvidas que têm. No final das sessões temos um espaço para perguntas anónimas, sabemos que muitas vezes os/as alunos/as se conhecem entre si, muitas vezes há vários anos, e não há a facilidade de fazerem perguntas em voz alta, porque interfere com a esfera pessoal e o bullying é uma realidade ainda muito presente. Este modelo é também de aproximação à comunidade, de humanização da comunidade LGBTI para tentar quebrar o bullying e promover os direitos humanos. Quando vou às escolas, e se sentir que é necessário, apresento-me como pessoa parte da comunidade LGBTI e sinto uma mudança enorme dos/das alunos/as em sala, este humanizar do que são as questões LGBTI é o nosso principal foco. Nas sessões nas escolas, adotamos vários métodos e um deles passa por apresentar outras pessoas LGBTI, da política, televisão ou música, para que os/as alunos/as possam perceber que as pessoas LGBTI estão em todas as esferas e pode também ser o/a colega do lado.

Vamos sempre com o pensamento presente de que sabemos que há pessoas homofóbicas, que têm o conhecimento e simplesmente são homofóbicas por ódio e não por desconhecimento. Mas sabemos, principalmente em escolas, e quando são pessoas mais novas, que não é ódio, mas apenas desconhecimento, medo do que não conhecem. Nestes casos, vamos com o objetivo de que passem a conhecer, e a verdade é que no final das sessões conseguimos esta aproximação, mas estamos conscientes que não conseguimos garantir que toda a gente respeita e abraça estas questões, mas conseguimos garantir uma maior inclusão e fazer com que os/as jovens percebam o que são estes tópicos. A verdade é que até para mim, que faço parte da comunidade e a descobri relativamente nova, sinto que há muita informação a circular ao mesmo tempo, sendo importante garantir que essa informação é fidedigna. Lembro-me que na minha altura, tinha as redes sociais e por sorte consegui encontrar espaços seguros, mas é cada vez mais difícil encontrar espaços seguros nas redes sociais.

Da experiência com a implementação do projeto em contexto escolar, qual a sua perceção sobre os desafios encontrados?

O primeiro desafio é conseguirmos efetivamente chegar às escolas. Sabemos que as escolas têm currículos impossíveis de cumprir por parte dos professores num ano letivo. Preferimos trabalhar presencialmente com uma turma e a escola fornecer este espaço e tempo nem sempre é fácil, mas é uma forma de garantirmos que não é um evento opcional. Há o risco de só aparecem, efetivamente, as pessoas que querem falar, e desta forma o nosso trabalho não está a chegar onde devia. Felizmente, temos muitos professores e professoras a contatar-nos porque há um caso de homofobia, porque há alguém que se está a assumir, alguém a fazer a sua transição e o corpo docente entra em contato connosco.

O segundo desafio, que acontece cada vez mais, é a desinformação presente em todas as fontes de comunicação social, onde as redes sociais têm um papel preponderante. Esta desinformação está a chegar às pessoas, isto é sinal que falam de política e de outros temas em contexto familiar, mas questionamo-nos até que ponto é que isso é bom, uma vez que vêm cada vez mais com preconceitos, o que se torna complicado de gerir. Tivemos há pouco tempo a questão da inclusão das casas de banho, quando saiu a Lei n.º 38/2018, referente ao direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa. Esta Lei, juntamente com a recente vitória relativamente às terapias de conversão, trouxe de volta à discussão estes temas LGBTI mas não necessariamente numa forma positiva.

O meu papel enquanto oradora é por vezes um pouco ingrato, porque durante 1 hora e meia faço o que posso mas depois se vão para casa e os pais desmentem tudo o que disse, ou quando saio da escola os professores desmentirem o que disse ou desvalorizarem o meu trabalho, aquela hora e meia não serviu de nada. É muito importante, que principalmente nas escolas, os professores percebam que estas ações não são só para os/as alunos/as e que quando fazemos estas sessões com profissionais também não são apenas para os professores. Há a necessidade de chamar as/os auxiliares de educação para as sessões que fazemos com profissionais, porque muito do bullying que acontece não se passa nas salas de aula mas sim nos recreios e nas cantinas e os professores não estão presentes nestes locais, quem está são os auxiliares de educação. É necessário capacitar todo o pessoal da escola, o que está a acontecer cada vez mais, mas ainda não tanto como gostaríamos.

Após a implementação do projeto, que feedback tem recebido dos alunos e dos professores?

Pensando nos aspetos positivos, temos muitas pessoas que nos agradecem por nos termos deslocado à escola, que tiveram um primeiro momento em que conseguiram falar abertamente sobre estas questões. Já tivemos situações em que foi a primeira vez que as pessoas se sentiram confortáveis para se assumirem, foi nas nossas sessões que se começaram a questionar sobre estes temas. Para quem tem interesse nestes temas o feedback é muito positivo.

No final das sessões disponibilizamos sempre um formulário, porque lançamos relatórios para saber o estado da Juventude LGBTI em Portugal, principalmente ligado à educação e nas escolas. Neste formulário podem fornecer feedback e temos muitas expressões de agradecimento, ou porque gostaram da nossa visita, ou porque sentiam a necessidade de falar sobre estes temas. Para alguns jovens é a primeira vez que estão a falar sobre a comunidade LGBTI numa forma positiva, o que permite criar um espaço seguro para que os/as alunos/as se sintam confortáveis para abordar estes temas.
Da parte dos professores também temos feedback positivo, disponibilizamos igualmente um formulário para professores e uma das questões é – “sinto-me capacitado/a para falar sobre estas questões” – e muitos professores dizem que não, porque não há formação sobre o tema, ou a formação que há não é acessível. Agradecem por virmos colmatar esta falha de não se falar sobre educação sexual, principalmente inclusiva e da comunidade LGBTI dentro das escolas.

Temos algum feedback negativo, não vamos fingir que é tudo perfeito. Já encontrámos situações caricatas dentro das escolas, mas sinto que acontecem porque os comentários negativos que verbalizam vêm de trás, de muitos anos a percecionar a comunidade LGBTI como o inimigo e como um bicho de sete cabeças. A questão da ideologia de género aparece sempre nos comentários negativos e não existe tal coisa como ideologia de género, é sempre importante falarmos sobre isso. Também os professores referem, várias vezes, que alguns encarregados de educação reagiram de uma forma não tão positiva à sessão e mais uma vez é importante relembrar que estamos a fazer cumprir a Lei. Estamos protegidos pela Lei, a colmatar as falhas que persistem mesmo quando estes temas fazem já parte dos currículos.
Gosto de pensar que os aspetos positivos são sempre superiores aos aspetos negativos e que o impacto que temos na vida das pessoas é positivo. Uma evidência deste impacto, é o número de pessoas que querem integrar a rede ex aequo, após assistirem às sessões que fazemos nas escolas. Já tivemos pessoas que criaram os seus próprios núcleos LGBTI dentro da escola, como resultado de uma maior abertura para abordar estes temas com colegas, professores e psicólogos. O impacto positivo que temos é o que nos faz continuar.

Quais os próximos passos do projeto e de que forma é que as escolas podem usufruir do mesmo?

Os próximos passos do projeto passam por aumentar o número de sessões, chegar não só aos alunos mas a mais professores, auxiliares e pessoal profissional da escola. Há a ideia errada que só fazemos sessões para alunos, o que não é verdade, fazemos sessões para professores, psicólogos e auxiliares. Estas sessões têm um cariz diferente: quando estamos a falar de sessões com alunos trabalhamos numa lógica de desconstruir preconceitos; e, quando trabalhamos com profissionais falamos numa lógica de proteção das crianças e jovens, da legislação em vigor e dos mecanismos que podem utilizar. Vamos com a visão de que não é por serem adultos que sabem tudo, até pelo contrário, uma vez que esta temática está muito mais presente na esfera adolescente e pode haver adultos a quem esta temática não chegue tão facilmente.

As escolas podem contatar-nos através de e-mail e fazer um pedido de sessão, indicando se houver algum tema específico que queiram ver abordado. Faço parte da coordenação do projeto há dois anos e penso que nunca disse não a uma sessão. Às vezes é mais difícil, quando as sessões são muito distantes e, porque funcionamos todos/as à base de voluntariado, temos dificuldade em conciliar horários com as escolas, mas tudo se consegue, queremos é garantir que chegamos às pessoas. Também fazemos sessões online, embora não sejam as nossas preferidas, mas fazemos sessões nesta modalidade com as escolas em que não há a possibilidade de nos deslocarmos presencialmente.

Estamos totalmente disponíveis e temos voluntários/as em várias partes do país, inclusive nas ilhas. Costumamos dizer que somos a única associação que não quer existir, porque se houver abertura, se não tivermos de ir às escolas fazer sessões porque a informação chega a toda a gente de uma forma segura, o nosso trabalho está feito. Entretanto ainda não aconteceu, por isso continuamos a ir às escolas e gostamos muito do que fazemos.

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