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Raposa Chama – Educação para o risco de incêndios

“Mais do que um projeto, queremos que seja um movimento coletivo.”

Sara Mieiro é perita-coordenadora na Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais na área da comunicação e relações públicas e é responsável pelo projeto ‘Raposa Chama’.

Mário Matos é técnico superior na Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, com formação de base em psicologia, sendo responsável por vários projetos incluindo o projeto ‘Raposa Chama’.

Em que consiste a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) e qual é o papel na sociedade portuguesa?

Sara Mieiro: É uma agência que surgiu em 2018, depois dos grandes incêndios de Pedrógão em 2017. Fazia falta uma peça que conseguisse coordenar e que fizesse com que todas as entidades se articulassem, através de um Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais. Atualmente, a AGIF tem por missão acelerar a transição para a gestão integrada de fogos rurais, envolvendo as instituições e a sociedade, com base num modelo de governança territorial, em torno do desígnio nacional: Proteger Portugal dos incêndios rurais graves. A agência tem a responsabilidade de implementar campanhas de sensibilização para a comunidade para mitigação de comportamentos de risco.

Sabemos que 9 em cada 10 incêndios têm causa humana, mas nós acabamos por não nos comprometermos por aquilo que é a nossa responsabilidade.

A ideia que está na génese destas campanhas é conseguirmos que as pessoas comecem a olhar para si e para a sua própria responsabilidade naquilo que é o flagelo dos incêndios, seja por causas acidentais, que acontecem porque estão a fazer uma queima atrás da habitação após a limpeza do terreno, seja porque estão com um trator numa zona de floresta e as faíscas provocam um incêndio… a verdade é que não vemos a comunicação social falar sobre estes temas, mas eles são uma realidade. Estas campanhas são muito importantes para as pessoas terem outra noção sobre o problema dos incêndios.

Como surgiu a ideia de criar o projeto ‘Raposa Chama’?

Sara Mieiro: Em 2019, com a chancela da República Portuguesa, foi lançada a campanha ‘Portugal Chama. Por Si. Por Todos.’, que é a campanha chapéu para a sensibilização sobre incêndios e mitigação de comportamentos de risco. A verdade é que desde o início se percebeu que era necessário também ter uma campanha dedicada ao público mais jovem, até porque ao analisar casos de sucesso internacionais, praticamente todos apostam neste segmento. Um dos grande exemplos, e mais antigo, é nos Estados Unidos – o ‘Smokey Bear’, que existe desde os anos 70 e está neste momento a ser repensado porque já se percebeu que o fogo faz parte da paisagem e efetivamente faz parte da cultura e da tradição, tem é de ser usado de forma mais correta.

Aprendemos também com os bons exemplos nacionais, como a reciclagem, ou a prevenção rodoviária. Há 20 anos ninguém reciclava e hoje em dia todas as crianças sabem reciclar, é este o caminho que pretendemos fazer, sabemos que é um caminho longo e difícil, mas a verdade é que este caminho tem que ser feito para conseguirmos fazer chegar os eixos principais de comunicação, e que foram definidos no início do projeto, a todas estas crianças e jovens.

Quando se pensou o projeto ‘Raposa Chama’, fez sentido incluir animais, porque havia a necessidade de ter uma mascote associada e porque é algo que funciona muito bem na interação com as crianças. Quisemos sempre ter elementos da floresta e a raposa é um animal natural das florestas portuguesas e muito reconhecido no mundo rural.

Tentou-se também perceber o que este público ouvia e gostava e surgiu a ideia do rap; a nossa raposa vai beber muita inspiração à imagem e postura da artista Capicua, tão apreciada pelo nosso público-alvo. O que é engraçado é que Raposa tem a palavra rap no início da palavra. É a nossa rapper raposa que chama por todas as crianças e jovens para que se envolvam nesta causa tão importante para o nosso país.

Assim surgiu este projeto que ambicionamos que chegue a todas as crianças e jovens portugueses. Mais do que um projeto, queremos que seja um movimento coletivo, que as crianças se envolvam, sejam embaixadoras, levem o nome ‘Raposa Chama’ mais longe e que possam também ter um papel de influência sobre os comportamentos dos adultos.

De que forma o desenho deste projeto responde à necessidade de prevenção de comportamentos de risco de incêndio em Portugal?

Sara Mieiro: Vemos muitas vezes os miúdos a chamarem à atenção para alguns comportamentos dos adultos – um pai que atira uma beata pela janela do carro, ou um avô que está a fazer uma queima de sobrantes no quintal num dia de vento e calor -, têm um papel quase de polícias. É importante começarem a ter estes conhecimentos enraizados para que daqui a alguns anos, se tudo correr bem e conseguirmos fazer chegar o projeto a bom porto, já não tenhamos de dizer nada às pessoas, e já façam isto de forma natural e orgânica.

A nossa intenção é mudar hoje a pensar no amanhã, sabemos que estas mudanças não vão ter um impacto imediato, mas daqui a alguns anos esse impacto vai existir, tal como acontece hoje em dia com a reciclagem.

Mário Matos: O aspeto diferenciador deste projeto é que tentamos que as crianças valorizem o que é a floresta, por isso os conteúdos relacionam-se com valorizar o que a floresta nos dá e a diferença entre o fogo mau e o fogo bom. O fogo foi a base da humanidade e a sua descoberta foi talvez a mais importante para a nossa sobrevivência.

As crianças e jovens têm que perceber que o fogo não é todo mau e nós explicamos todos estes aspetos, que é a principal diferença em relação às campanhas que existiam até agora.

Tentamos que as crianças valorizem o património, as florestas e que saibam que o fogo, se for bem utilizado, pode ser nosso amigo.

Sara Mieiro: Há uma orientação estratégica que passa por valorizar o território, dificilmente cuidamos daquilo que não amamos, pensámos que apenas injetar a ideia da prevenção dos incêndios nas crianças em termos de storytelling era difícil, tínhamos de ir mais longe.

Os incêndios hoje em dia já não se confinam às florestas e por isso utilizamos a designação de incêndios rurais, os incêndios não acontecem só em terreno florestal, quase que não têm limites, não têm território, não têm fronteiras, muitas vezes vemos incêndios de Espanha que entram em Portugal e o contrário.

A verdade é que é mais fácil pegar no tema da floresta, dos animais, do oxigénio, dos alimentos, para que as crianças valorizem a floresta, a queiram proteger e prevenir os incêndios. Não queremos entrar na utopia de que Portugal não vai ter incêndios ou de que não vamos utilizar o fogo, o fogo também pode ser uma ferramenta muito boa. A questão do fogo frio que é utilizado agora na época de inverno e o papel do fogo na evolução da humanidade são exemplos que damos para diferenciar o fogo bom do fogo mau porque é de facto muito importante.

Em que consistem os kits e os recursos que disponibilizam gratuitamente no âmbito do projeto?

Sara Mieiro: O kit ‘Raposa Chama’ está preparado para ser entregue a uma equipa que depois possa desenvolver o trabalho.

Temos uma apresentação, que toca nos eixos de comunicação que já referimos, a valorização da floresta, a questão do fogo bom e do fogo mau, de não olharmos apenas para os comportamentos alheios, mas também para os nossos comportamentos. Temos também o quizz ‘Raposa Chama’, um lado lúdico para trabalhar no final da sessão com as crianças e verificar se absorveram o que foi apresentado, mas sempre numa dinâmica de interatividade. Temos um cenário que é um ambiente de floresta, que permite interagir e brincar porque tem rodas que vamos virando e apresentando as respostas após questionarmos as crianças sobre o que é que a floresta dá. Terminamos sempre com o hino da banda da floresta, em que as crianças cantam e, principalmente na parte do refrão, é sempre aquele momento mais animado e de maior brincadeira. As duas mascotes produzidas, a Raposa Chama e a sua antagonista, a McGarra, baseiam-se nas fábulas da nossa tradição. A Raposa faz tudo bem e depois a McGarra que só diz disparates. Também brincamos com as crianças e perguntamos – Vocês não querem ser a McGarra? – ou então – Quem é do team Raposa? – E todos querem ser team raposa.

Mário Matos: Temos um esquema protocolar com algumas autarquias e um guia de apoio para quem vai apresentar as sessões, composto por informações extra que poderão utilizar para a preparação das apresentações, quando nós, técnicos da AGIF não temos capacidade para as assegurar. Queremos que o projeto ‘Raposa Chama’ cresça pelo país todo.

Da experiência com a implementação do projeto em contexto escolar, qual Vossa perceção sobre os desafios encontrados?

Sara Mieiro: A verdade é que o grande desafio é nós sermos uma equipa pequena, mas com uma enorme vontade de fazer acontecer, mas chegar a todo lado torna-se complicado e, portanto, temos de estar sempre a equacionar como é que conseguimos estabelecer parcerias para poder estar junto de mais crianças.

No ano de lançamento do projeto, em 2021, tivemos um recuo porque lançamos o projeto quando ainda estávamos em pandemia, e, portanto, lançar um projeto deste âmbito – cujo foco é a comunidade escolar – em plena pandemia foi muito complicado porque não podíamos estar junto do nosso público-alvo. Tivemos de privilegiar o online e nesse ano lançámos uma parceria com a revista Visão Júnior com o lançamento de um suplemento ‘Raposa Chama’.

O suplemento encontra-se disponível nas várias bibliotecas escolares do país, com quem a Visão Júnior também tem parceria. Este suplemento aborda o tema dos incêndios, da prevenção, da floresta e também inclui uma série de jogos que desenvolvemos em conjunto com a Visão Júnior, atualmente disponíveis na nossa página da Internet.

No ano passado, tivemos o desafio do Município de Odivelas que descobriu o projeto ‘Raposa Chama’ e quis implementá-lo nas escolas do concelho, com cerca de 700 crianças do 4º ano de escolaridade. Isto pareceu-nos ideal porque não temos capacidade para o fazer desta forma, mas o Município tem essa capacidade com técnicos que conhecem muito bem a realidade do seu território, o tema do projeto e sabem explorá-lo. Assim, trabalhámos o kit de comunicação em conjunto e fizemos algumas adaptações fruto do feedback que nos foram dando. Fruto deste piloto com o Município de Odivelas, tem havido cada vez mais interesse por parte de outros Municípios em estabelecer protocolo connosco e implementar o projeto ‘Raposa Chama’. Se todos os Municípios fizessem o que Odivelas fez, conseguíamos levar o projeto ‘Raposa Chama’ a todas as escolas.

Quais os próximos passos do projeto e de que forma é que as escolas podem usufruir do mesmo?

Sara Mieiro: Estamos a preparar uma formação para professores com acreditação para progressão na carreira. A formação incluirá conteúdos pedagógicos sobre o tema da prevenção para que possam, nas suas turmas, nas suas disciplinas, trabalhá-lo. Estamos a tentar que os nossos conteúdos e o projeto cheguem da melhor forma à comunidade escolar, e que depois consiga extravasar para a comunidade em geral – vamos subindo etapas para conseguirmos chegar a todo o lado.

Estamos ainda a equacionar criar uma semana dedicada à prevenção dos incêndios. Estamos a trabalhar com o Ministério da Educação e com a Direção-Geral da Educação neste sentido, um pouco como acontece com a Semana Europeia Sem Carros, com a Terra Treme da Proteção Civil, ou a semana da Proteção Civil que já acontecem e são comemoradas pelas escolas. A ideia desta semana, ou desta comemoração, é exatamente equacionar as causas dos incêndios que são regionais e locais, ou seja, pensar o problema e a solução à escala, e conseguirmos numa semana pôr as escolas todas do país a pensar no ‘Raposa Chama’ e a pensar nestas questões ligadas aos incêndios, em termos de conteúdos, de trabalhos e de dinâmicas.

Este é o nosso grande objetivo, conseguirmos ter a formação dos professores e conseguirmos ter, se não for uma semana, pelo menos um dia comemorativo tal como está preconizado. E claro, no futuro, queremos levar a ‘Raposa Chama’ cada vez mais longe e conseguirmos alavancar mais protocolos com os Municípios, porque de facto são essenciais para esta dinâmica.

Mário Matos: Os Municípios são as nossas embaixadas pelo país.

Mais informações sobre o movimento coletivo e inclusivo ‘Raposa Chama’ here!

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