Memo Kelembra nas escolas

“O auxílio da família, principalmente das crianças e adolescentes, é essencial para ajudar pessoas com demência no seu dia-a-dia.”

Carina Carvalho desempenha funções como psicóloga clínica e formadora na Alzheimer Portugal – Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer, onde integrou a equipa do projeto Memo e Kelembra nas Escolas.

Como surgiu a ideia de criar a iniciativa “Memo Kelembra nas Escolas”?

Esta ideia surgiu da dificuldade de uma das técnicas da Alzheimer Portugal em explicar ao filho pequeno o que fazia efetivamente no trabalho. Surge então a ideia da criação do livro ‘O Pequeno Elefante Memo’ e é este livro que serve de base ao projeto Memo e Kelembra nas Escolas. Lançámos depois o desafio à Doutora Paula Guimarães para criar o texto do livro, à Alexandra Pinto Rebelo para criar as ilustrações e ao Louis Keil para a realização da tradução.

Mais tarde, e tendo por base esta vontade enorme de poder explicar às crianças e jovens de uma forma mais ativa o que são as demências, surge então a possibilidade de podermos desenhar e candidatar o projeto ao financiamento do INR (Instituto Nacional para a Reabilitação), sendo um dos objetivos do projeto aumentar a literacia na área das demências. Neste seguimento, fui buscar a base de dados de todas as escolas a nível nacional, para dar a conhecer o projeto. Algumas escolas responderam imediatamente ao e-mail e o que fizemos foi deslocar-nos às escolas interessadas para fazer uma apresentação formal do projeto e criar uma relação de confiança com as escolas. Como o projeto estava dependente de financiamento, começamos a perceber que podíamos reduzir um pouco as despesas se fizéssemos a ligação às escolas e a apresentação do projeto em formato online.

Atualmente, a ligação é estabelecida através das autarquias, até porque são autarquias que já nos conhecem e com as quais trabalhamos.

De que forma o desenho deste projeto responde à necessidade da promoção da literacia na área das demências?

Este projeto tem por base o livro “O Pequeno Elefante Memo” que conta a história do pequeno Elefante Memo e da sua avó Kelembra que aos poucos começa a perder a memória, contando com o apoio do Memo ao longo deste processo.

Escolhemos os elefantes porque os associamos a uma grande capacidade de memória e também porque através dos animais poderíamos mais facilmente cativar as crianças mais jovens e potenciar a sua atenção.

Pretende-se, apelando à ternura e ao amor, obter um forte impacto no combate ao estigma/isolamento a que as pessoas com demência são muitas vezes votadas, mostrando como continuam a ser úteis à sociedade. Ajudamos desta forma as crianças e jovens a lidar com as dificuldades inerentes à patologia, tais como os problemas de memória, a promover as relações intergeracionais, afirmando que a pessoa idosa tem um papel importante na sociedade e na família. As crianças, futuros adultos, e os seus professores, são importantes veículos de mudança da sociedade. Também os professores, auxiliares e alguns encarregados de educação beneficiaram deste projeto ao aumentar a sua consciencialização e informação na área das demências.

De realçar que o projeto não só foca dificuldades de memória que as pessoas com demência apresentam, mas também como o auxílio da família, principalmente das crianças e adolescentes, é essencial para as ajudar no seu dia-a-dia, ultrapassando assim as dificuldades com o apoio de todos. Um dos objetivos das sessões é que as crianças e os jovens quando chegassem a casa pudessem partilhar com os outros familiares as estratégias que aprenderam.

Qual tem sido o feedback obtido por parte dos alunos e dos professores?

O feedback tem sido excelente, até porque alguns dos alunos com quem contatamos são netos de Pessoas com Demência e acabam por partilhar, muitas vezes, as dificuldades sentidas a nível da memória por parte das mesmas. Isto faz com que a sessão acabe por ser também um facilitador a nível de estratégias e comportamentos a adotar para com os avós ou pessoas mais velhas. Algumas destas crianças e jovens acabam mesmo por se emocionar durante a sessão ao partilhar a sua história. Estas partilhas enriquecem em muito a sessão e inevitavelmente acabam por fazer com que o restante grupo fique mais focado e centrado na importância do tema abordado.

Os professores, na sua maioria, e após a nossa passagem pelas diferentes escolas, continuam a trabalhar o tema e frequentemente enviam-nos trabalhos realizados pelos alunos, o que penso ser revelador do empenho colocado na temática.

Por outro lado, não podemos esquecer também que este projeto acabou por ter um grande impacto em nós técnicos, pela forma como éramos aceites e pela riqueza cultural que foi possível experimentarmos, tendo em conta as zonas do país pelas quais passávamos. São experiências que com toda a certeza nos ficarão guardadas para sempre na memória.

Além do mais, este projeto foi merecedor de vários prémios, nomeadamente o prémio Maria José Nogueira Pinto, que veio reforçar, mais uma vez, o excelente trabalho por parte de toda a equipa da Alzheimer Portugal em chegar ao maior número de crianças e com o maior impacto possível na sua vida e na das suas famílias. É dos projetos mais bonitos pelos quais já passei, com impacto para quem o recebe mas também para quem o faz.

Da experiência com a implementação da iniciativa, qual a sua perceção sobre os desafios encontrados?

Em primeira instância, o maior desafio foi sem dúvida falar de um tema tão complexo de uma forma simples, conseguir adaptá-lo ao público-alvo, até porque trabalhámos com crianças desde o pré-escolar até ao terceiro ciclo e, neste sentido, foi também um desafio adaptar os conteúdos de modo a que fosse cativante para todos e os fizesse partilhar esse entusiasmo e informações transmitidas com os colegas e famílias. Há alguns anos, havia um programa na RTP – o Quem Quer Ser Milionário – e nós adaptamos o conteúdo, incluindo os sons, ao terceiro ciclo e a sessão era o ‘Quem Quer Ser Sabichão’, em que as questões eram todas relacionadas com a temática das demências.

Chegamos a fazer sessões em auditórios com cerca de quatrocentos alunos em simultâneo, tínhamos auditórios municipais cheios de crianças, e conseguir cativá-los a todos também é um desafio.

Outro desafio é chegar até algumas escolas, que compreendam a importância e pertinência do tema e que o sintam como uma mais-valia na vida dos alunos. Após a aceitação por parte da escola, o feedback tem sido tão positivo, que será certamente difícil elencar desafios. No entanto, não deixou de ser um desafio para os técnicos as viagens constantes de norte a sul do país, para que se pudesse chegar ao máximo de alunos, chegando o projeto a conseguir alcançar 8000 alunos num só ano.

Quais os próximos passos da iniciativa e de que forma é que as escolas podem usufruir da mesma?

Neste momento o projeto continua a desenvolver-se, mas apenas em alguns concelhos do país, nomeadamente Cascais, Oeiras e Sintra, uma vez que deixou de existir financiamento para que pudesse continuar a estender-se a nível nacional e também porque são localidades onde a Alzheimer Portugal tem gabinetes de apoio. Ainda assim, não deixa de ser um objetivo fazer com que este projeto se mantenha ativo o máximo tempo possível e continuemos a chegar ao maior número de crianças e eventualmente retomar o formato a nível nacional, se as condições assim o permitirem, visto ser necessária uma verba elevada para fazer face às deslocações e estadias da equipa.

Temos esperança de voltar a implementar o projeto a nível nacional, vamos ver o que o futuro nos reserva.

Saiba mais sobre as iniciativas da Alzheimer Portugal e do projeto Memo Kelembra nas escolas aqui!

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