O superpoder da professora Manuela Maldonado.
Corria o ano de 1992. Uma miúda tímida, aluna aplicada, mas preocupada em manter-se na sombra, tinha a sua primeira aula de português no 7º ano de escolaridade. Pouco depois do toque, e já com a turma em peso a ocupar todos os espaços da sala, entra uma figura luminosa, vestida impecavelmente e com um sorriso franco e acolhedor. A miúda tímida não sabia mas nunca mais seria a mesma.
A professora Manuela Maldonado tinha o poder de enfeitiçar os alunos com o seu cuidado, mas também com a sua constante postura de exigência, de querer tirar o máximo de cada adolescente hormonal que tinha na sua sala. Cada aluno sentia-se único, ainda que cercado por mais vinte e tal colegas. Era esse o superpoder da professora Manuela Maldonado.
As aulas pautavam-se por uma desorganização criteriosamente organizada e, com a distância, percebo que intencional. O programa era seguido sem que se desse conta e, em cada dia de entrega de testes, a miúda tímida e os seus colegas eram presenteados com um bombom da confeitaria Petúlia, independentemente do resultado obtido, porque não era de todo o mais importante. Mas o que a miúda tímida passou a aguardar ansiosamente após cada teste não era o bombom envolto em prata colorida, mas o pequeno comentário escrito, personalizado que acompanhava cada teste corrigido. Não percebia bem como, mas a professora conseguia perceber o que ela sentia e, naquelas pequenas frases que acompanhavam cada teste, era capaz de colocar por escrito a carga emocional que se soltava da escrita da miúda tímida e que esta não percebia que estava a transmitir. A verdade é que foi a professora Manuela Maldonado que desvendou os demónios que habitavam na cabeça e no coração da miúda tímida e que, com o seu distinto e discreto cuidado, alertou a diretora de turma que alguma coisa se passava e que deveriam estar atentas. Este pequeno gesto, que em teoria poderia ter sido feito por qualquer outro professor, na realidade não podia, porque esta professora era diferente: tinha a capacidade de ler para além do que estava escrito; lia com o coração.
Com cada pequeno comentário escrito, a relação da miúda tímida com a sua professora consolidava-se e permitia que, o que até então eram demónios, se transformassem em vivências normais de uma miúda tímida de 12 anos que vivenciava o divórcio dos pais.
Ao longo de quatro anos, foram muitas as aventuras e peripécias que a professora ofereceu à miúda tímida e aos seus colegas, misturadas com a análise cuidada de Camões ou Vergílio Ferreira. Um clube do livro, onde a miúda tímida desenvolveu uma obsessão pelo Diário Secreto de Adrian Mole; um dia em que os alunos se vestiam a rigor e encarnavam uma figura que admirassem; a criação de um Grupo Polifónico que fez várias atuações na Escola Secundária Rodrigues de Freitas, em várias escolas da cidade e até no Coliseu do Porto. Na realidade, a miúda, para além de tímida, também era esganiçada, mas até isso a professora Manuela Maldonado conseguiu normalizar ao atribuir-lhe um solo no poema de Trem de Ferro, do poeta brasileiro Manuel Bandeira. Quem diria que a miúda tímida declamaria a plenos pulmões “Virge Maria que foi isto maquinista?” protegida pelo “Café com pão, Café com pão, Café com pão” recitado pelos seus colegas.
A professora Manuela Maldonado era capaz disto e de muito mais. As suas palavras de incentivo nos momentos de insegurança e o apoio genuíno durante os desafios transformaram-se em combustível para a confiança e o crescimento da miúda tímida que candidamente escreveu este elogio à sua professora.
Ana Silveira | Vice-Presidente da Associação Kokoro. Licenciada em Psicologia e dedicada a projetos de educação inclusiva.